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Padre e três falsas freiras julgados por escravidão de jovens raparigas em convento de Famalicão

27 Abril 2021
Padre e três falsas freiras julgados por escravidão de jovens raparigas em convento de Famalicão
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O Tribunal de Guimarães começa a julgar, esta quarta feira, um padre e três falsas freiras de uma “associação de fiéis” de Requião, em Vila Nova de Famalicão, todos acusados de escravizarem jovens raparigas.
Segundo a acusação, os arguidos resolveram angariar jovens raparigas para exercer todas as tarefas diárias exigidas para a conservação e manutenção das instalações da instituição e continuação da sua atividade, “sem qualquer contrapartida e mediante a implementação de um clima de terror”.
Para o efeito, acrescenta a acusação, coartaram-lhes qualquer capacidade de reação, utilizando-as apenas como mera força de trabalho.
“Os arguidos tinham como alvo jovens de raízes humildes, com poucas qualificações ou emocionalmente fragilizadas e com pretensões a integrarem uma comunidade espiritual de raiz católica, piedosas e tementes a Deus”, refere ainda a acusação.
Em causa está o Centro Social de Apoio e Orientação da Juventude, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sob a forma de Instituto de Organização Religiosa criada por iniciativa da Pia União das Irmãs Missionárias de Cristo Jovem, denominada “Fraternidade Missionária de Cristo Jovem”.
A IPSS, segundo os seus estatutos, tem como principal objetivo o apoio a adolescentes e jovens, apoio às famílias, apoio à integração social e comunitária e a educação e formação profissional dos cidadãos, com espírito cristão.
Ainda segundo a acusação, os arguidos diziam às jovens que “tinham sido escolhidas por Deus, convencendo-as de que deviam escolher a vida religiosa”, e que, caso negassem as suas vocações, teriam castigos “divinos”, problemas familiares e mortes na família.
A acusação diz que, “pelo menos” de 5 de dezembro de 1985 até ao início de 2015, os arguidos sujeitaram as jovens, diariamente, a várias agressões físicas, injúrias, pressões psicológicas, tratamentos humilhantes, castigos e trabalhos pesados.
Escassez de alimentação, negação de cuidados médicos e medicamentosos e restrição da liberdade são outros dos factos imputados aos arguidos.
A acusação fala em bofetadas, murros, pontapés, puxões de cabelo, pancadas com enxadas, ancinho, ferros, mangueira, paus, vassouras, chinelos, sapatos e com um chicote com corda e que, por vezes, as jovens seriam obrigadas a agredirem-se mutuamente com a chibata.
As jovens teriam ainda castigos como proibição de tomarem o pequeno-almoço, de tomarem banho durante vários dias e até semanas, de beberem água durante todo o dia no verão enquanto estavam a trabalhar ao sol durante várias horas e de usarem roupa interior durante vários dias ou semanas.
Uma das jovens, numa altura em que estava doente, “teve direito” a um almoço composto por excrementos de cão, que uma das arguidas atirou para cima da cama e lhe esfregou na cara, mandou-a ir lavar-se “pois estava com o diabo”.
As jovens eram, ainda, obrigadas a ficarem nuas em frente umas das outras, na capela da clausura ou no jardim da instituição, a dormirem no chão durante várias noites na companhia de um cão, a autoflagelarem-se com um chicote. Rezarem o terço às três da madrugada no interior do quarto de banho, de joelhos e ao frio, era outra das obrigações.
Os arguidos chegariam a impor às jovens jornadas diárias de trabalho que chegavam a atingir as 20 horas e que compreendiam a limpeza das instalações e de toda área envolvente, composta por bouças e um jardim. Paralelamente, seriam alvo de todo o tipo de insultos e agressões verbais.
Cada um dos arguidos está acusado de nove crimes de escravidão. A IPSS também é arguida no processo, pelos mesmos crimes. O crime de escravidão é punível com uma pena de 5 a 15 anos de prisão. O padre arguido tem 89 anos.
A acusação sublinha que as arguidas, apesar de se apelidarem como “irmãs”, na realidade não são freiras, pois não têm votos, tal como exigido pela Igreja Católica.
Por fora, parecia ser uma organização religiosa, que ajudava jovens noviças a encontrar o caminho de Deus. Por dentro, era uma clausura onde essas raparigas eram humilhadas, torturadas e escravizadas.