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“Os filhos que nos salvam”

14 Maio 2016
“Os filhos que nos salvam”
Opinião
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O que me traz aqui hoje é a mesma circunstância que me trouxe para outros temas, porque sou pessoa. Sou pai de dois magníficos filhos que a sorte me ofereceu em simultâneo, sim são gémeos e são muito especiais. Fizeram 13 anos cada um há três dias e não vou dizer que até parece que foi ontem que nasceram. Já passaram 13 anos desde que recebi um telefonema do hospital a dizer que iam nascer, prematuramente. Foi há 13 anos que conheci duas pessoas que cabiam cada uma nas palmas das minhas mãos. Mas, não parece que foi ontem, porque eu renasci com eles naquele dia. E vivemos desde aí uma longa vida cheia de emoções e crescimento. No passado dia 11, dia de aniversário, fui, como habitualmente, levar um deles à escola. Fiz questão de o levar a pé até à porta, dar-lhe um beijo de parabéns em frente a toda gente. Era a minha homenagem ao menino que cabia na palma da minha mão. A resposta veio de um rapaz, que no seu embaraço da situação me fez a homenagem de ver como é magnífico ser pai. Porque ele já não é um menino e eu não consigo deixar de ter um tremendo orgulho nisso…
Há uns meses assisti a um filme chamado O Quarto de Jack (Room, baseado num livro da escritora irlandesa Emma Donoghue). Desde esse dia que tenho pensado escrever sobre o livro e sobre o tema. Um filme poderoso, que através de uma ficção nos mostra de uma forma intensa o que é para mim a razão de viver, porque foi de facto a razão de viver daquela mãe aprisionada num anexo de poucos metros quadrados.
Os filhos que nos salvam, seria para mim o título ideal para esse filme e para o que considero ser a realidade dos nossos dias, como pessoas.
Não vou contar nem a história do filme, nem a minha história. O que quero mesmo é homenagear os meus filhos, que me salvam todos os dias. Há na vida e nesse filme, um intenso dilema na ambiguidade dessa relação umbilical entre pais e filhos. Até que ponto os filhos podem ser a nossa salvação, sendo eles a razão da nossa vida. Por mim e de uma forma pouco científica, acho fabuloso ter podido salvar os meus pais. E egoisticamente, porque no fim de tudo eles são o mais importante da minha vida, adoro ser salvo por aqueles dois rapazes. Ninguém me ama como eles, ninguém me sente como eles e por isso merecem o meu egoísmo.
Na vida como no filme, o mundo dos nossos filhos é o que nós lhes podemos proporcionar, e ninguém o vive tão intensamente como eles. Seja o quarto ou a galáxia, eles e nós somos tudo, até ao dia em que os libertamos. É uma honra ser pai e eu tento honrá-los todos os meus dias. Não consigo imaginar o vazio da falta de responsabilidade por proteger e fazer crescer pessoas. Os filhos salvam-nos porque nos fazem crescer, nos fazem querer um caminho bem mais largo do que apenas sobreviver. Conseguem ser o caminho e o destino.
O filme perturbante que nos mostra a agonia e a claustrofobia, de se viver anos dentro de um espaço isolado do mundo. Mostra também como uma relação entre mãe e filho, pode superar 4 paredes e pode ser tudo. Mostra como alguém sem expectativas, pode renascer e alimentar-se de um único objetivo, cuidar e salvar um filho. A bela ironia é que aquela mãe, como todos nós, encontrou a sua própria salvação no filho prisioneiro, como ela.
O mundo de Jack era o quarto e uma pequena clarabóia de onde se via o céu e algumas folhas. Mas era, sobretudo, o mundo que mãe lhe mostrou e construiu para seu conforto. O mundo de Jack mudou de repente, porque a mãe o salvou para ele a poder salvar. Há uma revelação fantástica nesta segunda parte do filme. Os nossos filhos adaptam-se muito melhor às mudanças do que nós próprios. Reconheço a complexidade do tema, mas apetece-me ser superficialmente profundo. E variar entre a generalidade e a subjetividade, de estar a falar da minha vida.
Jack são os meus filhos e podem ser todos os nossos filhos. E por mais evidente que o que digo pareça, é preciso que realmente pensemos assim. Há em tudo isto um instinto de sobrevivência, mas sobretudo de vivência que não conseguimos explicar. Vivemos hoje, ou talvez vivemos sempre, controvérsias naquilo que queremos para as nossas relações. Confundimos casamentos com paternidade e divórcios com irresponsabilidade. Mudamos de companheiros, mas não mudamos de filhos. Nem queremos mudar, porque nada nos tira o prazer de um beijo de boa noite ao deitar. Nada nos tira aquele olhar com que um filho nos fita no meio de uma multidão. Nada me tira o sorriso quando o meu filho sente o meu cheiro, porque não vê.
Sinto uma necessidade absoluta de dizer que temos de ser mais pais, de deixar que os nossos filhos nos salvem.
Parabéns João e Gonçalo!

João Amorim Costa