Última hora

O não-desterrado

15 Abril 2016
O não-desterrado
Opinião
0

Henrique Raposo, historiador, comentador e actual colunista do «Expresso», escreveu um livro de memórias que intitulou de «Alentejo Prometido», numa edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Nele, o autor faz uma viagem pelo Alentejo de onde a família paterna é originária. Estamos perante o relato que Raposo faz desse regresso, resultante do cruzamento das suas memórias de infância com as leituras que o estudo e o trabalho lhe proporcionaram ao longo dos últimos, vá lá, vinte anos.
Estas expiações públicas de factos particulares e privados são comuns nos reservados países anglo-saxónicos mas inabituais nos extrovertidos territórios latinos. Por cá, então, são tão raras como um jogo de futebol sem polémica. E quando aparecem, é o fim do Mundo, como quase aconteceu quando, há dez anos, Maria Filomena Mónica apresentou o seu notável “Bilhete de Identidade”, em que nomeava antigos namorados entre outras cusquices. Pois Henrique Raposo recebeu ameaças por pintar um Alentejo com as cores alegadamente erradas, isto na opinião de um punhado de revoltados indígenas, obviamente. É que o livro de Raposo não é aquilo que os queixosos esperavam: um guia turístico, com a habitual listagem de tudo o que é positivo na maior planície portuguesas. De facto, não há um elencar de terras bonitas, ou dos melhores restaurantes ou de recantos maravilhosos ainda por descobrir. O que o autor faz é um mergulho no seu passado, nos erros de avaliação que cometeu, nas partidas que a memória lhe pregou, nas descobertas que entretanto fez. E do que viu, sentiu e reflectiu, houve muita coisa de que Raposo não gostou. E não gostou porque não as aceitou na sua natureza ou porque, em comparação com outras zonas do país, achou estas melhores do que as alentejanas. A experiência religiosa é uma delas. A violência. A opressão sobre as mulheres, as locais e as visitantes. A tendência para o suicídio. O impacto do quase deserto na esperança interior de cada alentejano. A submissão do alentejano ao clima e à geografia. A quase obrigação de emigrar. Para Henrique Raposo, tudo isto são características do Alentejo e dos alentejanos.
Não é um retrato bonito. Não, não é. Mas este não é o retrato do Alentejo. É o retrato do «Alentejo do Henrique Raposo», alguém que repete várias vezes «não se sentir alentejano». Há alguns excessos, como quando recorda os cheiros «a resina das estevas, o mel das figueiras, o odor a haxixe dos eucaliptos…» (p.33). Como?… Ou a sua insistência na comparação com Norte do país, chegando ao extremo de comparar o comportamento dos «encornados» perante a traição conjugal: «lá em cima, a violência marialva causa uma explosão; cá em baixo provoca uma implosão, o suicídio» (p.92).
Com efeito, «a nossa casa é onde está o nosso coração» e o do autor não está, definitivamente, no Alentejo. Será uma apreciação discutível, como tudo o que é subjectivo, mas jamais se pode esquecer que Raposo tem todo o direito a exprimir o que pensa, como, onde e sobre o que quiser, bem como toda a gente tem o direito de comprar, ou não, o livro, e de lê-lo, concordando ou rejeitando o conteúdo. É assim que funcionam as coisas em Liberdade e em Democracia. Uma coisa que já existe por cá há quase 42 anos mas que tarde em estar devidamente interiorizada. Quer no Alentejo, quer no Norte.

Pedro Brás Marques