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Perder os sentidos

2 Março 2016
Perder os sentidos
Opinião
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São a nossa janela para o mundo. Olfacto. Visão. Audição. Tacto. Paladar. A forma como deles dependemos e como os usamos, forma-nos, molda-nos e transforma-nos. Infelizmente, numa sociedade em que tudo parece ser melhor a cada dia que passa, os sentidos estão a ser alvo de um continuado e crescente desprezo.
Tomemos o paladar. Os alimentos estão completamente subjugados à ditadura da standardização. Dos legumes à fruta, passando pelas proteínas do peixe e da carne, tudo parece clonado, do mesmo tamanho e com o mesmo sabor – ou com falta dele… Não admira, portanto, que os restaurantes de “fast food” se gabem de oferecer o mesmo produto com o mesmo sabor em qualquer parte do Mundo. Parece que o fito da sociedade capitalista é oferecer uma vida socialista… Isto sem esquecer que, hoje, os alimentos e mesmo as flores já quase não têm cheiro. Passeie-se pela zona de frescos dum híper ou supermercado e tudo aquilo…não tem cheiro! É tudo inodoro, asséptico e normalizado. E passa-se o mesmo com a audição. As redes sociais e a pulverização da informação, algo o que poderia constituir uma vantagem, levaram ao oposto: a música que ouvimos é quase sempre igual. Não há margem para criadores, como no passado, porque só se serve o que o público quer e o que o público quer é mais do mesmo. Cada jovem intérprete quer é ter sucesso e isso implica ser “a nova Adele” e não um “Bowie” ou um “Thom Yorke”, como se comprova pelos intermináveis, monótonos e repetitivos concursos de “talentos”. É isto que vemos, é a isto que os nossos olhos assistem, porque “tocar”, então, isso nem pensar. Quanto mais distância melhor. Alimentos ensacados e empregados com luvas cirúrgicas, para o bem comum, claro. E um médico tocar num doente? Cruzes! Nem pensar. Que vá tirar radiografias ou uma TAC.
Mas foi precisamente a diversidade que nos proporcionou mudança e crescimento, que nos ofereceu génios que nos puseram a ouvir música celestial como Mozart ou que nos deixaram tocar na mármore feita vida como Michelangelo, ou que souberam deliciar-nos o palato com algo sublimemente suave como o “chatilly”, obra de François Vattel. Venceram a lei da morte porque os seus sentidos estavam despertos. O mundo que os rodeava podia ser violento e insalubre, mas era vibrante, colorido, com aromas fortes que davam um sentido único e extraordinário à própria existência. Hoje, suspiramos pelos “sabores da avozinha” e pela “música de antigamente”, mas a verdade é que somos os únicos culpados. Deixamos os sentidos adormecer. Julgamos que estamos melhor, mas não é verdade. Criamos barreiras com o fito de nos proteger mas isso só leva a que estejamos cada vez mais longe da essência da vida, que é desfrutar plenamente o Mundo – o que só se pode fazer através dos sentidos. Mas, para isso, há que lhes dar sentido.

Pedro Brás Marques