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Este foi o discurso que Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu ao País

18 Outubro 2017
Este foi o discurso que Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu ao País
País
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Cerca de vinte e quatro horas depois do discurso de António Costa, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa falar ao País.
“O Presidente da República é, antes de mais, uma pessoa. Uma pessoa que reterá para sempre na sua memória imagens como as de Pedrógão. (…) Mais de 100 pessoas mortas em menos de quatro meses em fogos em Portugal. Por muito que a frieza destes tempos cheios de números e chavões políticos, económicos e financeiros nos convidem a minimizar ou banalizar, estes mais de 100 mortos não mais sairão do meu pensamento, como um peso enorme na minha consciência, tal como no meu mandato presidencial.
Se falei aos portugueses primeiro como pessoa, foi para tornar bem claro que sempre, e mais ainda em tempos como estes, olhar para os dramas de pessoas de carne e osso com a distância das teorias, dos sistemas ou das estruturas, por muito necessário que possa ser, é passar ao lado do fundamental, na vida como na política. E o fundamental é o que vai na alma de cada uma e de cada um dos portugueses. Mas mais de 100 mortos em menos de quatro meses, sendo um peso na consciência, são igualmente uma interpelação política ao Presidente da República, que foi eleito para servir incondicionalmente os portugueses. Para cumprir e fazer cumprir uma Constituição que quer garantir a confiança e segurança dos cidadãos.
Se há realidade que objetivamente ocorreu com estas mortes e estas duas e tão diferentes provações de um verão interminável foi a fragilização de muitos portugueses. Não vale a pena negá-lo. (…) Ficaram fragilizados perante o que lhes pareceu ser a insuficiência de estruturas ou pessoas em face de condições meteorológicas, dimensão e natureza de fogos tão diferentes daquilo a que estavam habituados.
Ficaram fragilizados perante leituras de relatórios sobre Pedrógão, em especial a do relatório da Comissão Parlamentar Independente, que acentuam dúvidas, temores, preocupações. Ficaram fragilizados perante nova tragédia, três dias depois da divulgação do relatório e por isso mesmo antes de ações possíveis por ele recomendadas.
Ficaram sobretudo fragilizados perante a ideia da impotência da sociedade e dos poderes públicos em face de tamanha confluência de catástrofes. Claro que uma tal fragilidade foi, ou é em muitos casos, excessiva ou injusta, atendendo à extensão das áreas atingidas, à virulência dos fogos e em particular à abnegação, ao heroísmo dos que a pé firme estiveram mobilizados cinco meses seguidos ao serviço da comunidade. Mas o certo é que a fragilidade existiu e existe, e atingiu os poderes públicos. E exige uma resposta rápida e convincente. E agora?
O Presidente da República pode e deve dizer que esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade nacional. Com meios para tanto, senão será uma frustração nacional. Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos.”
“Deve haver uma convergência alargada, porque os governos passam e é crucial que a prioridade permaneça.
“O Presidente da República pode e deve dizer novamente que espera do governo que retire todas, mas todas, as consequências da tragédia de Pedrógão, à luz das conclusões dos relatórios, como de resto o governo se comprometeu publicamente a retirar.
O Presidente da República pode e deve dizer que nessas decisões não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou ou ampliou as lições de junho e olhe para estas gentes, para o seu sofrimento, com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa.
Pode e deve dizer que abrir um novo ciclo inevitavelmente obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo.
Pode e deve dizer que, se na Assembleia da República há quem questione a atual capacidade do Governo para realizar estas mudanças, que são indispensáveis e inadiáveis, então que, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer ou não manter em funções este Governo, condição essencial para, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco, e de resposta positiva, reforçar o mandato para as reformas inadiáveis.
Pode e deve dizer que reformar a pensar no médio e longo prazo não significa termos que conviver com novas tragédias até lá chegarmos.
Pode e deve dizer que estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir.
Pode e deve dizer que a melhor, se não única, forma de verdadeiramente pedir desculpa às vítimas de junho e de outubro, e de facto é justificável que se peça desculpa, é por um lado reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e de confiança, e por outro lado romper com o que motivou a fragilidade, ou motivou o desalento ou a descrença dos portugueses. Quem não entenda isto — humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu — não entendeu nada do essencial que se passou no nosso país.
Para mim, como Presidente da República, o mudar de vida neste domínio é um dos testes decisivos ao cumprimento do mandato que assumiu e nele me empenharei totalmente até ao fim desse mandato. Impõem-no milhões de portugueses mas impõem-no sobretudo os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do verão de 2017 e não chegaram ao dia de hoje”, disse ontem à noite o Presidente da República Portuguesa.