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Projeto FILMar da Cinemateca Portuguesa ajuda a perceber a relação dos portugueses com o mar

2 Julho 2022
Projeto FILMar da Cinemateca Portuguesa ajuda a perceber a relação dos portugueses com o mar
Cultura
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O projeto da Cinemateca Portuguesa de digitalização do cinema português ligado à temática do mar já permitiu “conhecer a fundo os arquivos” e perceber que os oceanos foram “uma matéria profundamente manipulada”, disse o coordenador, Tiago Bartolomeu Costa.
Numa altura em que Lisboa se prepara para acolher a Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas, a Cinemateca Portuguesa tem em curso um programa, com financiamento europeu, de digitalização de pelo menos 10.000 minutos de filmes do cinema português, relacionados com a temática do mar e abrangendo mais de um século de produção cinematográfica.
Num balanço do trabalho já feito, desde 2020, a Cinemateca Portuguesa já digitalizou 55 curtas-metragens e sete longas-metragens, totalizando 1.440 minutos.
O projeto de digitalização, financiado com cerca de 880 mil euros, através do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu (EEA Grants), prevê retrospetivas no final do programa, mas a Cinemateca Portuguesa está já a programar sessões com alguns dos filmes digitalizados, cumprindo um dos objetivos: devolver o cinema português aos espectadores.
Com o trabalho já feito, a Cinemateca Portuguesa provou que “era possível traçar na história da produção de cinema em Portugal uma linha contínua, transversal a todos os géneros, que é o mar”, afirmou Tiago Bartolomeu Costa.
Foram já digitalizados documentários, filmes de promoção turística, filmes informativos sobre práticas culturais e sociais relacionadas com o mar, obras propagandísticas do Estado Novo e algumas obras de ficção, de vários géneros.
“Conseguimos encontrar títulos que vão permitir resgatar, ou do desconhecimento ou da sombra, determinadas filmografias ou reconhecer o papel que tiveram na construção do cinema contemporâneo”, sublinhou o coordenador.
Mais do que fazer uma simples digitalização e disponibilização ao público, a Cinemateca Portuguesa quer propor novas leituras do cinema português em estreita colaboração com festivais, cineclubes, museus ou no âmbito do Plano Nacional do Cinema e do Plano Nacional das Artes.
“Existem muitos filmes carregados de ideologia. Não basta digitalizar os filmes, é preciso encontrar formas de apresentação desses filmes, encontrar contextos adequados para que sejam relidos à luz daquilo que hoje sabemos”, explicou.
Neste trabalho do FILMar foi possível, por exemplo, digitalizar o filme “Gente da Praia da Vieira” (1975), de António Campos, cujo centenário do nascimento será assinalado este ano pelo festival Curtas de Vila do Conde, ou a curta “Albufeira” (1968), de António de Macedo, que abriu o festival IndieLisboa.
Sobre o que já foi digitalizado, Tiago Bartolomeu Costa disse que já é possível tirar algumas conclusões e falar de “um lado mítico” da relação dos portugueses com o mar.
“Há sobretudo uma consciência muito grande de que o mar foi uma matéria profundamente manipulada e quem manipulava era consciente de que o mar lhe escapava permanentemente. Razão pela qual existem muitas sequências em que se acha que se está a filmar o mar, mas se está a falar de perda, de revelação, de desistência, de redescoberta”, disse.
O trabalho de restauro e digitalização está a decorrer nos laboratórios do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM), pertencente à Cinemateca Portuguesa, e que funciona numa quinta perto de Lisboa.
Numa visita ao Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM) foi possível ver que os técnicos trabalham numa espécie de linha de montagem dos laboratórios, em diferentes salas, seguindo-se um percurso de tratamento, limpeza e restauro da película, tanto na imagem como no som.
O objetivo da digitalização não é retirar todas as imperfeições e desgastes da passagem do tempo. É corrigir e tratar uma obra para que seja exibida o mais aproximado possível das condições em que foi mostrada originalmente, explicou Tiago Bartolomeu Costa.
Numa sala, um dos técnicos está a corrigir a cor do filme “Sentinelas do Mar” (1959), de Armando de Miranda, sobre exercícios militares da Marinha, noutra sala trabalha-se o som do filme “Henrique, o Navegador” (1960), de João Mendes, de propaganda ideológica do Estado Novo.
No Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM), onde estão preservados milhares de bobines e quilómetros de película, em cofres climatizados, foi criada também uma pequena sala de cinema, para simular uma exibição em sala dos filmes já restaurados.
Findo o programa FILMar, em 2024, Tiago Bartolomeu Costa diz que a Cinemateca Portuguesa entrará “num novo ciclo de vida”.
“O programa FILMar serviu para experimentar formas de programação e de contextualização que, quando o projeto foi idealizado, não estavam previstas e que a pandemia ajudou a revelar; e que o potencial e a grandeza destes ajudou a descobrir”, disse o coordenador da Cinemateca Portuguesa Tiago Bartolomeu Costa.