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O “F”, o “I” e o “L” em “Fidel”

2 Dezembro 2016
O “F”, o “I” e o “L” em “Fidel”
Opinião
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A morte de Fidel Castro fez ressurgir uma das discussões políticas clássicas do século XX, a que opunha os defensores de duas formas de regime, completamente opostas: totalitária e democrática. Por sua vez, os apoiantes da primeira dividiam-se em duas facções, usualmente designadas por “esquerda” e “direita”. Assim, os regimes da União Soviética e de todos os países da antiga Cortina de Ferro, bem como a China, e alguns países da América do Centro e Sul enquadravam–se no primeiro grupo, enquanto Portugal e Espanha, Chile e as ditaduras militares da América do Sul, entre outros, pendiam para o lado direito. Cuba fez o pleno. Passou directamente duma ditadura de direita, com Fulgêncio Baptista, para uma de esquerda, com Fidel Castro.
Naturalmente que aquela simplista divisão não é estanque e muito menos pacífica. Mas há indícios que sustentam essa caracterização, independentemente daquela dicotomia. A existência duma polícia política e de prisioneiros políticos, a proibição da liberdade de expressão, a proibição da oposição política, o controlo total da informação, desde jornais à televisão e internet são alguns, mas basta dizer que, em ditadura, o poder controla absolutamente os três pilares do Estado: o Legislativo, o Judicial e, claro, o Executivo. Imposto o sistema do partido único, não há representatividade nas assembleias nacionais, pelo que também não há eleições ou, quando as há, são manipuladas, como aconteceu em Portugal. Em traços muito gerais, este é o traço comum a um regime totalitário, sendo irrelevante ser “de esquerda” ou “de direita” até porque, como sabiamente diz o povo, “os extremos tocam-se”. Isto não vem de agora. Platão, na «República», defendeu abundantemente a figura do ditador, a que chamou “Rei-Filósofo”.
Perante estes factos, há quem considere que “as coisas não são bem assim”. Que em Portugal não houve ditadura, antes uma “república autoritária” e que Cuba é um exemplo de Liberdade no Mundo. É claro que estas apreciações estão eivadas de preconceitos e recalcamentos, fantasmas que os advogados dessas causas se negam a exorcizar.
Perante esta “vexata quaestio”, esta escuridão conceptual, o melhor caminho para se atingir a luz será analisar se, em cada caso, os princípios em que realmente acreditamos estão vivos. Por mim, continuo a defender os valores que emergiram da Revolução Francesa e que ainda hoje são a divisa do país: “Fraternidade, Igualdade e Liberdade”. Olhando para regimes como o cubano, será que estão lá presentes?
A Fraternidade existe quando todos os homens honram a sua qualidade e tratam os outros com o mesmo respeito que reservam para si. Um regime que pratica a pena de morte, principalmente por razões políticas, não pode ser um regime fraterno. E poderá haver Igualdade, no sentido mais nobre da igualdade de oportunidades, se os que estão no partido do poder têm privilégios laborais enquanto todos os outros não? E a Liberdade? A Liberdade de poder falar, de poder escrever e publicar um texto como este, de levantar a voz sem medo e deixar falar a alma, de entrar e de sair do país, essa, pura e simplesmente não existe.
Por isso, dizer que um regime, como o que subjuga Cuba, defende a Liberdade, é insultuoso para todos aqueles que sofrem perante o poder e injurioso para os que, um pouco por todo o Mundo, sofreram iguais sevícias às mãos de polícias políticas, como a PIDE. Por tudo isto, torna-se incompreensível como é que o parlamento de um país livre e fraterno como Portugal, faz aprovar um voto de pesar pela morte, não do homem, mas do ex-Presidente da República de Cuba, um ditador que se manteve arbitrariamente no poder durante décadas, sem eleições que o julgassem. Porque Fidel não honrou o “F”, o “I” e o “L” do seu nome. E não foi porque não pôde. Foi porque não quis.

Pedro Brás Marques