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«Born in the USA»?

4 Novembro 2016
«Born in the USA»?
Opinião
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Estamos a alguns dias das eleições presidenciais americanas. É um momento de dimensão planetária dada a importância económica e política dessa megapotência que se unificou sob o nome de «Estados Unidos». Perante tal importância, houve até quem, com humor, aventasse a hipótese de o universo eleitoral adequado ser composto pelos sete biliões de habitantes do planeta…
Mas este acto eleitoral é diferente. E é diferente porque os dois principais candidatos não são gente “com quem uma pessoa de bem se queira sentar à mesa”. Hillary Clinton, o menos mau dos dois, vem do mundo da intriga política, dos bastidores, das jogadas, das manipulações, dos negócios obscuros, incorporando, portanto, tudo aquilo que, cada vez mais, o cidadão comum rejeita na classe política. Já do lado republicano, está o impensável. Donald Trump é a personificação da arrogância, da impreparação, da falta de verticalidade, da misoginia, do racismo. Creio, até, que seria difícil encontrar alguém que conseguisse reunir em si tanta qualidade negativa, mas o milionário nova-iorquino consegue-o, comprovando a máxima de que “a realidade ultrapassa sempre a ficção”…
Como é que se chegou aqui?
A resposta que mais se ouve é “os americanos são burros”. Dizer isto ou pensar isto é fazer um favor a Trump. É que os americanos são tão burros ou tão inteligentes como nós, como os indianos, os búlgaros ou os argentinos. Somos todos seres humanos e os ratios de inteligência/estupidez não estão mais concentradas por lá do que noutra parte qualquer do globo. Ou já se esqueceram que os “brilhantes” alemães elegeram democraticamente Adolf Hitler?
O problema é que, hoje, vivemos numa sociedade de informação globalizada. Toda a gente tem acesso a informação e, claro, também a desinformação. E o que se lê, o que se comenta, o que se vê dos políticos é uma amálgama de contradições, de interesses próprios, uma linguagem de “economês” que o eleitor não percebe. A tudo isto, soma-se a crise, o desemprego e a ameaça terrorista. E esse eleitorado, desesperado, quer varrer com quem lhe rouba trabalho e com quem lhe perturba a segurança e reconhecem, em certos candidatos, a coragem para atitudes xenófobas e racistas que a sua cobardia impede de pronunciar. Por sua vez, estes apercebem-se dessa fraqueza e exploram-na com frases simples e directas, e com promessas claras e exequíveis. O voto está garantido.
Acontece na América. Mas não foi lá que nasceu. Um pouco por todo o lado, estes movimentos emergem, cada vez mais sofisticados. Basta ver o que era a brutalidade do discurso da Frente Nacional, em França, no tempo de Jean-Marie Le Pen e a suavidade com que agora se apresenta pela voz da filha, Marine. E o mesmo se vai passando na Holanda, na Inglaterra, na Itália, um pouco por todo o lado. Os nossos valores de Liberdade, de Igualdade e de Fraternidade estão em perigo e não parece.
Mais do que bradar “os americanos são burros”, será bem melhor recordar que “o maior truque do Diabo é fazer-nos crer que ele não existe”.

Pedro Brás Marques