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2 Setembro 2016
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Opinião
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Quem não gosta de futebol, define-o normalmente como sendo 11 jogadores para cada lado a correr atrás de uma bola. É normal, é a primeira coisa que salta à vista. Há no entanto muito mais do que isso num jogo de futebol e muitos motivos de interesse, que vão aparecendo à medida que se percebe melhor o jogo e tudo o que o rodeia.
A grande parte dos adeptos de futebol, não se pode dizer que gosta de futebol, gosta é do seu clube e vai ao estádio com um único ponto de interesse: ver a sua equipa ganhar, dê lá por onde der. Ver a nossa equipa ganhar é sem dúvida um motivo de regozijo (por falar nisso, o Rio Ave conseguiu à 3ª jornada a sua primeira vitória no campeonato), mas se resumirmos o futebol a isso, ficaremos muitas vezes frustrados quando não vencermos e nunca conseguiremos tirar prazer em ver outras equipas a jogar. Há pois que tentar perceber e descobrir outros motivos de interesse num jogo de futebol.
Depois do natural interesse em vermos os jogos da nossa equipa, talvez o segundo motivo de interesse seja ver os jogos em que estão os melhores jogadores, os mais talentosos, os melhores do mundo, os que fazem coisas que os comuns mortais não conseguem. Quem é que não gosta de ver um Cristiano Ronaldo a marcar livres como mais ninguém o faz, ou Messi a livrar-se de vários jogadores sempre com a bola colada no pé ou a fazer passes tele-guiados para outros finalizarem? Esses são os momentos que nos deixam com os olhos colados no ecrã e a querer ver várias vezes a repetição em super slow motion. Estamos neste caso a falar de jogadores top, só ao alcance de poucos clubes, mas numa dimensão menor, lembro-me de a certa altura ouvir gente dizer que só ia ver jogos do Rio Ave para ver jogar Sob Evariste Dibo (que génio!), e eu próprio confesso que a época em que vi mais jogos de futsal do Rio Ave foi quando tivemos o privilégio de ter na nossa equipa o Cardinal. Os grandes artistas, são sempre motivo de interesse.
Mas num jogo de futebol existem duas equipas e para nos manter o interesse até final da partida, terá que haver alguma competitividade no jogo. É melhor ver um jogo equilibrado ainda que tecnicamente menos evoluído, do que um 5-0 com golos de calcanhar e pontapés de bicicleta onde uma das equipas não deu luta (a não ser que a equipa que marca 5 seja a nossa!). Há depois os jogos onde a espectacularidade é quase nula. As equipas anulam-se uma à outra ou têm ambas medo de arriscar. Quando os jogos são mais chatos, temos sempre a escapatória de nos irmos distraindo com a análise táctica. Ver qual a distribuição dos jogadores no campo, que modificações são feitas ao longo do jogo quer por alterações tácticas quer por troca de jogadores e que efeitos isso tem na performance da equipa. O nosso trabalho, de observadores em tempo real ou de análise pós jogo é sempre mais fácil do que a do treinador, que tem de escolher a melhor táctica para vencer um jogo, em função dos seus pontos fortes e explorando os pontos fracos do adversário. Podemos teorizar o que quisermos numa antevisão ao jogo, mas um dos pontos que mais me apaixona no futebol são os subtis factores de imprevisibilidade durante o jogo que vão alterando a dinâmica das equipas ao longo do mesmo. É uma lesão num jogador chave que desestabiliza a equipa, um remate perigoso que acorda uma equipa adormecida, um erro do árbitro que enerva os jogadores e empolga o público, um apoio vindo das bancadas que empurra a equipa para a frente, um erro defensivo que coloca a equipa sobre brasas e por aí fora. Não há como prever cada uma dessas situações. Os jogadores devem estar preparados para reagirem a elas da melhor maneira possível e nós, os adeptos, temos também que ter noção que o futebol é tudo isto e que num dia as coisas nos são favoráveis e noutro, com os mesmos jogadores, as coisas já não saem tão bem. Também nos esquecemos muitas vezes que os jogadores são também pessoas, que o jogador A ou B esteve adoentado ou que tem algum problema familiar e por isso não está nos seus dias. Temos que viver o jogo de forma apaixonada, mas após os 90 minutos, seguir em frente, com naturalidade perante a vitória ou a derrota, porque é só um jogo de futebol, no fundo, são mesmo só 11 jogadores para cada lado a correr atrás da bola.
As minhas filhas, de 4 e 8 anos, ambas sócias do Rio Ave, começaram esta época a ver os primeiros jogos ao vivo. Depois de verem o primeiro, quiseram ir ver o segundo e depois o terceiro. Também elas terão as suas razões para querer ir ao futebol. Já “viram” três, mas não sei se no total terão visto mais do que 10 chutos na bola ou se terão conseguido ver algum dos golos. Para já ainda é tudo novidade. Nos dois primeiros jogos, com o estádio cheio, o interesse estava mais na multidão, no colorido e nos cânticos, do que propriamente no terreno de jogo. Ainda nem sequer sabem as regras todas, estranham quando algum jogador fica deitado no chão e vão perguntando o que querem dizer alguns palavrões que vão ouvindo pela primeira vez… Ao terceiro jogo, a mais nova não aguentou, fugiu a 20 minutos do fim. A mais velha quis ficar e foi premiada com o golo da vitória já nos descontos, uma das melhores sensações no futebol. Não sei se o bichinho lhes pegou ou se a febre acabará rapidamente com os jogos com menos público, com frio e chuva, mas espero que aprendam a ver futebol, com desportivismo e fair-play, não como uma guerra ou luta entre seitas.

Renato Sousa