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O outro país

19 Maio 2016
O outro país
Opinião
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Numa das últimas edições da “Revista”, do “Expresso”, vinha um artigo sobre a passagem da “Virgem Peregrina”, a imagem de Nossa Senhora de Fátima que andou a percorrer as paróquias do País. Interessantíssima reportagem, sobre um tema que sempre me causou perplexidade, mas não foi isso que me chamou a atenção, antes o “lead” que terminava com uma frase fantástica: “ninguém deu por nada, mas houve um país que saiu à rua para a ver”.
É óbvia a escorregadela do jornalista. O seu “ninguém” não é o do Frei Luís de Sousa, mas antes fosse. É que o seu “ninguém” refere-se a um outro país, o dele, o que “não deu por nada”. É o país da gente auto-intitulada de culta, dos que se acham diferentes dos demais, dos que sentem mais elevados do que aquela maralha que designam paternal e condescendentemente por “o povo”. Pois é, mas o “outro país”, aquele que saiu à rua, é composto por milhões de pessoas. É aquele que lê o Correio da Manhã e faz com que ele venda, sozinho, tanto como o JN, o Público e o DN – somados! É o país que compra revistas como a “Maria” e a “Telenovelas”, com tiragens que envergonham as publicações do “outro país”, a “Visão” e a “Sábado”. É o país que adora as novelas da SIC, os reality-shows da TVI, e que nem se lembra que existem os canais “do outro país”, como a SIC-Notícias e a RTP3.
Só os mais distraídos é que acharão alguma novidade nisto. Passa-se entre classes sociais e profissionais, como se passa entre cidades. Perdi a conta a quantos amigos e conhecidos meus portuenses ouvi o desabafo de que não atravessariam o Douro para irem ao El Corte Inglés a Vila Nova de Gaia. E quantos não sentem horror em ir a feiras e romarias, para não se misturarem com a populaça? E que dizer dos políticos de gabinete que fazem chacota das jantaradas de militantes que apelidam de “via sacra da carne assada”? E os que preferem pagar mais pelo mesmo produto, porque se recusam a ir ao comum supermercado e optam pela loja gourmet? Conheço um casal que faz mais de cinquenta quilómetros para fazer “naquele” supermercado chique as suas compras básicas, desde leite a papel higiénico!…
Mas se todos têm direito a serem patetas, custa mais ver isto plasmado num órgão de comunicação que se acha o supra-sumo das referências jornalísticas, um jornal que se tornou num modelo em Portugal. O «Expresso» deveria ser o primeiro a fugir desta armadilha que mais não é do que a expressão duma hipocrisia que proclama igualdade quando é ela própria quem fomenta a discriminação. Somos todos portugueses, é certo. Mas há uns que têm interiorizado que são mais portugueses do que os outros…

Pedro Brás Marques