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Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos

10 Março 2016
Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos
Opinião
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Antes de mais confesso o drama de escolher um tema para falar nesta segunda crónica. Já que por um lado existem tantos assuntos pertinentes sobre os quais gostaria de dar a minha opinião. Mas por outro, tive um acesso de humildade para me auto proclamar como alguém que não saberá muito sobre qualquer um desses assuntos pertinentes.
Sendo esta publicação num Jornal, a actualidade torna-se um factor prioritário e no dia em que escrevo celebra-se Dia Internacional da Mulher. Não irei falar sobre as mulheres, sobre os seus direitos conquistados, sobre as diferenças ou até sobre as características que tanto me agradam no feminino. Tudo isso foi dito e muito bem dito pela colega cronista Rita Costa, que subscrevo.
No entanto o tema leva-me a pensar num assunto tão pertinente e que está ligado à igualdade de género, racial, social ou qualquer outra que aparentemente nos separa, mas que sobretudo não nos pode dividir naquilo que são as nossas oportunidades.
Por estes dias ouvi a sábia expressão de que vivemos numa sociedade que anseia ser democrática. Mas que na verdade ainda não conquistou essa democracia em pleno. Diziam-me também que o mérito precede o lugar (cargo) nesta nova sociedade, em contraposição com sociedades anteriores à Republica em que na maior parte das vezes o lugar precedeu o mérito.
Numa altura em que se fala tanto em eleições, nomeações, demissões, seja qual for a ordem desta rima. Sinto necessidade de dizer o que penso. Sem ser específico em qualquer situação, não por receio, mas porque infelizmente este é um tema geral da sociedade portuguesa. Há de facto quem chegue aos lugares por mérito de uma vida mais ou menos longa com “obra” reconhecida. Mas há também quem primeiro ocupe os lugares e posteriormente demonstre um mérito excepcional para o desempenho dessa ou de outras funções. Não tenho qualquer preconceito sobre estas formas de descoberta de talentos e competências. Mas tenho uma preferência natural pela primeira.
Este é um tema transversal à nossa vida, quer nas nossas áreas profissionais, no reconhecimento social ou ainda mais na política. Esta nossa rede a que chamamos sociedade permite que de uma forma mais ou menos saudável as pessoas cheguem onde querem por motivos familiares, por amizade, por motivos económicos ou por aquilo a que se chama “cartão”. Este último tem claramente a ver com a militância nos partidos que serve muitas vezes no nosso país, para alavancar carreiras profissionais dos militantes partidários. Volto a confessar que não sendo o meu método preferido, não me choca e pondero a hipótese de se descobrirem alguns talentos com este processo. Saliento, no entanto, que o que se conquista politicamente se deve perder da mesma forma que o sufrágio democrático derrotar.
Há um factor muito relevante neste tema que me choca e me revolta. Vivemos numa sociedade muito competitiva e num tempo em que as oportunidades escasseiam. Sobre isto vem-me sempre à memória a velha frase de Confúcio: “Cortam-se as árvores para não fazerem sombra aos arbustos”. E, na minha verdade, vivemos num tempo em que muitos arbustos que foram lá plantados, por um qualquer interesse ou cumplicidade, cortam insistentemente as árvores que crescem naturalmente por mérito próprio.
Não estará em causa o meio para atingir o fim, sendo ele próprio discutível. Está sobretudo em causa o impedimento e a anulação de oportunidades de quem por mérito e de uma forma natural podia e devia crescer sem limites. Uma sociedade que impõe limites para até onde os cidadãos podem crescer é uma cidade medieval que vive na obscuridão. O destino depende de cada um de nós e das circunstâncias das nossas vidas. Não pode estar nas mãos de quem quer manter os seus lugares, à custa de abafar o trabalho e a ambição dos outros.
Somos todos livres de ter ambições, todos, e o mundo é demasiado espaçoso para que exista tanta mediocridade.
Felizmente muitas árvores crescerão, quer queiram, quer não…

João Amorim Costa