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Deus e César foram de férias…

12 Fevereiro 2016
Deus e César foram de férias…
Opinião
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Muito por força das nomeações para os prémios americanos do cinema, os Óscares, estrearam-se dois filmes quase em simultâneo que partilham o facto de se inspirarem em acontecimentos recentes, localizados nos EUA, mas de impacto mundial.
O primeiro, “Spotlight/O Caso Spotlight”, recorda o que foi a descoberta da prática sistemática de pedofilia por dezenas de padres católicos nos EUA, algo que não só era do conhecimento da Igreja, como ela própria contribuiu activamente para o seu encobrimento. O segundo, “The Big Short/A Queda de Wall Street”, narra o que foi a gigantesca queda bolsista de 2007/2008, sob o ponto de vista dos poucos que identificaram a astronómica burla que estava montada, souberam prever a sua explosão e ficaram milionários através de apostas improváveis porque contra todo o senso do mercado.
São dois filmes que não procuram manipular o observador, antes apresentando as suas histórias quase como se de documentários se tratassem. O julgamento de mérito cabe, esse sim, ao espectador, contando com um factor externo à narrativa: o conhecimento pessoal das consequências dos crimes em causa.
Efectivamente, a questão da pedofilia na Igreja Católica, especialmente na americana, e as fraudes bancárias e financeiras em Wall Street são do conhecimento público, não só por serem recentes, como por terem sido espremidas pela comunicação social. Aliás, os efeitos de ambas ainda se sentem, com o Papa Francisco a tomar inúmeras posições sobre a questão e todos nós sentirmos, ainda, as ondas de choque do terramoto económico que abalou o Mundo há menos duma década.
Mas o que esta “realidade ficcionada” nos trás de relevante é a possibilidade de visualizarmos o que aconteceu atrás do cenário e ficarmos completamente incrédulos não só com os acontecimentos em si como, principalmente, com o facto de ninguém ter visto os problemas, de tão gigantescos eles eram. Porque era tudo evidente: os autores, as técnicas, as informações, os crimes. Como foi possível ter-se deixado chegar tão longe ambas as situações?
E esta estupefacção com o passado, torna-se em preocupação com o futuro. Porque nada é seguro. Nem o padre em quem se confia os segredos mais íntimos no recolhimento do confessionário, nem o banco em cujas mãos se deposita os rendimentos do trabalho e as economias para o futuro.
Por isso, estes dois filmes acabam por ser duas excelentes pistas para se descobrir o porquê desta desconfortável sensação de estarmos à deriva, dentro dum barco sem timoneiro, apenas guiado por ventos estranhos e arrastado por correntes manhosas. Chama-se decadência e é o resultado de vivermos num tempo onde não se pode confiar nem em Deus, nem em César.

Pedro Brás Marques