Última hora

Três livros, três alertas

13 Janeiro 2016
Três livros, três alertas
Opinião
0

Durante o ano de 2015, a entrada de milhares de emigrantes na Europa, conjugada com vários atentados perpetrados por forças terroristas provenientes das mesmas latitudes, vieram comprovar que o fantasma do totalitarismo não estava exorcizado. Muito pelo contrário. E numa altura em que se promove a republicação de um dos livros-chave desse regime que lançou o Mundo numa guerra global há bem menos do que um século, o «Mein Kampf» de Adolf Hitler, será altura para parar e reflectir sobre o que se poderá aprender com o que nos chega desse e sobre esse tempo.
Nesse sentido, o ano transacto trouxe-nos várias obras que se debruçam sobre a passagem pela Europa do regime totalitário designado por Nacional-Socialismo e a que, informalmente, designamos de «nazismo», que teve seguidores um pouco por toda a parte, incluindo em Portugal. Para tal destaco três grandes obras: um ensaio, uma banda-desenhada e uma obra de ficção.
O primeiro, « KL – Uma História dos Campos de Concentração Nazis » (Ed. D. Quixote), tal como o nome indica, relata o que foram estas zonas de prisão e extermínio criadas pelo Terceiro Reich. O autor, Nikolaus Wachsmann, analisa toda a história destes campos infames entre a sua criação, em 1933, e o seu fim, doze anos depois. O quadro que nos oferece vai desde os detalhes do dia-a-dia até ao grande desígnio que passou à história como «Holocausto». Para além de tudo o que sabemos e ali vemos confirmado, o que choca é perceber o nível de conceptualização e de organização de toda a estrutura, perfeitamente racionalizada e ordenada, dando nova dimensão à expressão “máquina de morte nazi”.
Uma segunda sugestão de leitura é “O Pugilista” (Ed. Polvo), de Reihnard Kleist. Trata-se duma «graphic novel», um obra de biográfica em banda-desenhada, onde se retrata a vida dum pugilista, polaco e judeu, que teve de se submeter aos comandantes do campo de concentração, que o usavam para combates de e apostas. A vida de Hertzko Haft é retratada com crueza, num preto-e-branco que sublinha o sentido trágico da história, até porque, muitos anos depois da libertação, o pugilista continuou preso à sua traumática vivência nos campos de Poznan, Strzelin e Auschwitz-Birkenau. E nem atravessar o Atlântico, para viver na Terra da Liberdade, o conseguiu libertar de todo o peso que a sua alma carregava e que ele, por vezes, procurava descarregar nos que lhe eram próximos, incluindo a sua própria família.
Para o fim, deixo aquele que considerei o melhor livro que li em 2015, “A Zona de Interesse”, de Martin Amis (Ed. Quetzal). O escritor inglês ficciona sobre o dia-a-dia no campo de concentração de Auschwitz, mas do ponto de vista dos alemães, ou seja, dos carcereiros. E o leitor assiste às discussões mundanas sobre as refeições, sobre as férias, sobre as paixonetas que vão nascendo entre os membros da direcção do campo, um quotidiano comum, igual a quaisquer outros. É claro que a monstruosidade está ali mesmo ao lado, mas estas personagens, quase inexplicavelmente, não querem saber. Aliás, nem sequer a concebem enquanto tal, pelo que não pode haver preocupação com ela. Mesmo na gestão do campo, as suas apreensões vão para questões de logística que culminam na suprema irritação de se verificar discrepância entre o número de “pessoas” no comboio e o que está inscrito no manifesto de “carga”… Quando Hannah Arendt esteve em Israel, para fazer o relato do julgamento do nazi Adolf Eichmann, concebeu uma expressão para rotular a alegada indiferença dos alemães perante a desumanidade dos actos das suas tropas e a opção pelo extermínio de seres humanos “inferiores”, a Solução Final. Para a autora judia, o que aconteceu foi a “banalização do mal”. E é isso que Martin Amis superiormente nos oferece, seres humanos para quem a ordem de valores nem sequer lhes permitia perceber a monstruosidade das suas acções e omissões.
São três livros. São três avisos.

Pedro Brás Marques