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O fado e a fadista

8 Janeiro 2016
O fado e a fadista
Opinião
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Mariza conquistou os prémios “Ondas Especiais”, galardões atribuídos pela Rádio Barcelona, por ser considerada a intérprete que lidera a música de raiz que fez evoluir o fado, tornando-a linguagem universal. A notícia passou envergonhada na imprensa portuguesa, mas nem o fado nem a fadista envergonham o país que os considera embaixadores duma diplomacia cultural em todo o mundo. O fado, alma dum povo, não tem história nem dela precisa. Nasce e cresce no acento amoroso das canções populares. É lisboeta e queixume de marujo. Tem ritmo igual ao ruído do mar. Balanceia de bombordo a estibordo num canto de dor e lamentação (Carolina Michaellis). O fado (fatum) casou com a saudade, palavra conceito que só o coração português entende. Talvez tenhamos que recorrer a Bernardim Ribeiro, séc. XVI, para compreender “essa insatisfação em busca do remoto”, a saudade (“Menina e Moça, Bernardim Ribeiro). O fado “fabricou” a guitarra e o fadista. Há, pois, uma cumplicidade absolutamente conjugal entre os três “produtos D.O.C.”.
A Guitarra portuguesa é a adaptação do sistro inglês, sem parentesco com o alaúde árabe, prova que o fado não vem dos lamentos islâmicos. Muito embora, rezem as crónicas que dez mil guitarras gemeram no desastre de Alcácer Quibir. Todo o efeito sentimental do fado deve-se à guitarra que desde o reinado de D. Manuel é a companheira inseparável desse “canto nacional”. O Fadista “cristaliza todos os pecados capitais, excepto a avareza” (Pinto de Carvalho). O Fadista do século XIX é o produto de todos os vícios. “Sempre enroupado numa fantasia de “D. Juan”, húmida e espasmódica, de olhos quebrados e cigarro colado ao lábio inferior, é o herói das noites e tascas, onde marujos, rameiras e notáveis senhores se cultivam” (idem, Pinto de Carvalho). Por volta de 1860 a farpela do fadista metamorfisa-se. A ilha da Barbuda populariza o canto do fado e inspira uma nova cultura e todas as “damas das camélias” a seguiram. De certo modo, esta mulher, Maria Severa, engravata o fado e torna-o canção de elite. Faz subir a guitarra aos salões, enquanto o piano descia à popularidade dos botequins. O fado não codifica, nem se fixa em regras. É paixão que nasce no amor, na despedida, no abandono e na esperança do regresso e até no abraço da morte.

Pe. Bártolo Pereira