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Crónica de sonho de um sonhador crónico

14 Janeiro 2016
Crónica de sonho de um sonhador crónico
Opinião
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…eu também adoro brincar com coisas sérias. Brinquemos, então.
Comecemos por imaginar que, no nosso cruzamento mais movimentado, em vez de Lar de Sonho e Vila Colchões se lia Kodak e Coca-cola e chamávamos-lhe de Times Square. E, por ali acima, a Broadway com Teatros e Shows. E se chamássemos ao mercado o ground zero? Até porque também representa uma coisa muito grande que afinal não está lá. Ao pêndulo na rotunda do estádio vamos chamar-lhe estátua da liberdade. Faz todo o sentido: à semelhança da liberdade na América, o pêndulo também só funciona quando há ciclones. À santa casa da misericórdia vamos chamar de Wall Street já que qualquer aquisição ou transação financeira relevante é sempre ali que acontece.
Mudemos o nome da 5 de Outubro para 4 de Julho e as Caxinas para Bronx. A zona da pista será Manhattan e o parque da cidade, Central Park. Ao mosteiro encaixa-lhe bem o nome de Reserva Federal Americana. Um belo de um edifício a guardar coisa nenhuma.
Futebol americano e basebol já temos. Chinatown também. Trocamos Rio Ave Futebol Clube por Hudson River Soccer Team e está arrumado. Podemos chamar a presidente de Mayor e os irmãos Praça de Simon & Garfunkel.
Agora vamos exagerar a coisa ainda mais. Na estrada nacional (que requinte, na nacional) vamos abrir sucursais das hamburguerias e pizarias americanas até às cinco da manhã para quem vai a pé, e seis da manhã para quem vai de carro. O que incomodam as buzinadelas dos carros quando comparadas com pessoas satisfeitas a deambularem pelas ruas da cidade? Nada. Isto, afinal, é uma cidade. E se a par disso promovêssemos o encerramento da hotelaria local bem mais cedo, aquela que nos lembra as raízes dos nossos conterrâneos e que nos lembra coisas tão horripilantes como a identidade que queremos esquecer?
Este último parágrafo é um exagero. Ninguém normal faria uma coisa destas. Esqueçam.
Taxemos excepcionalmente o peixe, o vinho e a alheira de caça. A francesinha, o prego no pão e a compota antiquada. Façamos este povo reacionário esquecer a mediocridade do passado para que usufruam da próspera modernidade.
E pronto! Foi bom brincar. Foi bom imaginar que vivíamos dentro de uma maçã, mesmo que isso faça de nós bichos.
Nesta semana que perdemos o Bowie, ocorre-me:

A little piece of you,
The little peace in me,
Will die (This is not a miracle),
For this is not America.

Sermente in This Is Not America Sha La La La