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E a «Força» está de volta!…

30 Dezembro 2015
E a «Força» está de volta!…
Opinião
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A busca de Hollywood pela eternidade lucrativa levou a Disney a adquirir a LucasArts por quatro biliões de dólares. Isto pode parecer despiciendo mas é fundamental para se perceber o porquê de mais uma trilogia, a terceira, da saga “Star Wars”. Efectivamente, trata-se de um dos “franchisings” cinematográficos mais lucrativos da História do Cinema e a “casa do Rato Mickey” naturalmente que quer ver o retorno do seu galáctico investimento. Já diz o povo, com razão, de que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita e quando o motor criativo é o vil metal, dificilmente o resultado será satisfatório…
Felizmente, o ditado não assenta como uma luva ao sétimo episódio de “Star Wars”, intitulado “O Despertar da Força”. Mas também não é a obra-prima que por aí se pinta. Trata-se duma proposta bastante aceitável de continuação duma saga que tinha entrado em clara decadência. Há um regresso ao passado que se saúda, com muitos mais cenários reais e menos digitais. E há uma história convincente, até porque…já a conhecemos. Os produtores e o realizador J.J. Abrahms optaram por jogar pelo seguro. Foram buscar Lawrence Kasdan, que já havia trabalhado no argumento dos (agora) episódios V e VI e ele não teve qualquer problema em conceber um edifício usando as mesmas plantas arquitectónicas do anterior. É que não estamos a falar de referências aos filmes da saga inicial, mas um verdadeiro decalque. A única diferença notória é que, para não dar demasiado nas vistas, optou-se por iniciar uma rapariga em vez dum rapaz, como tinha acontecido com Luke Skywalker. Mas à semelhança dele, também ela vive num planeta semidesértico com a família de acolhimento, que é morta pelas forças do Lado Negro, também ela começa por aprender, por si, o poder que tem mas que desconhece, também ela presencia a destruição dum planeta por via dum émulo da Death Star original, também há uma Mestre que vai ensinar a Aprendiz, etc, etc… E também há um filho em conflito com o pai, um candidato a “novo” Darth Vader, também há bares com gente estranha, também há a Millenium Falcon, também há… muita coisa que não precisava de lá estar. Mas jogar pelo seguro é mesmo isto, é servir um prato que toda a gente conhece em vez de arriscar numa criação culinária que poderia redundar em desastre.
E este é, talvez, a grande falha de “O Despertar da Força”. Quanto ao resto, é um filme de aventuras, inserido na temática da ficção científica, com ecos de eternidade, bem patentes na luta entre o Bem e o Mal, entre a Força e o lado Negro. Não deixa de ser curioso o facto de haver uma abordagem espiritual não religiosa mas antes um enquadramento nos domínios da filosofia e da ética, algo bem mais próximo, por exemplo, da Maçonaria e da sua dicotomia clássica Luz/Trevas, sem esquecer a similitude das três etapas de crescimento, aprendiz, companheiro e mestre. Não sei se será apenas coincidência… Mas a grande virtude desta história e o que lhe dá apelo universal, continua a ser o eco mitológico que por ali vibra em vários tons, bem para lá da básica dicotomia bem/mal que atormenta o homem desde que a primeira luz da inteligência faiscou no seu cérebro. Para começar, temos o conflito entre pai e filho, que mais não é do que o reflexo da eterna luta entre o passado e o futuro. Depois, a reinvenção do mito do herói que tem de percorrer um caminho espiritual para se encontrar. Há, ainda, a luta contra as inúmeras tentações que podem perverter a sua pureza. Enfim, a condensação duma série de arquétipos onde se pode ouvir Wagner ou ler Homero e que certamente fariam as delícias de C. G. Jung…
JJ Abrahms tem o duplo mérito de ter feito renascer, de forma digna, as duas principais “escolas” de ficção científica da “pop culture”, o “Caminho das Estrelas” e a “Guerra das Estrelas”. Em ambas soube ir beber à fonte e, repito, sem arriscar, reedificou toda a estrutura destas sagas. E se, na primeira, teve de recorrer a novos actores para as mesmas personagens, aqui teve a sorte de poder contar ainda com os actores originais, permitindo adicionar alguma credibilidade à passagem do tempo na narrativa.
Como é óbvio, os fãs vão adorar, os detractores irão ignorar esta “caubóiada espacial” e o público em geral acorrerá às salas de cinema para ver mais um episódio duma história que faz parte do imaginário popular há quatro décadas.

Pedro Brás Marques