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Crónica de sonho de um sonhador crónico

22 Novembro 2017
Crónica de sonho de um sonhador crónico
Opinião
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O “E se fosse consigo?” que me leva a escrever é sobre o assédio sexual.
Dois actores, disfarçam-se de dois parvalhões e vão para a paragem de autocarro assediar uma colega, que encarna uma jovem de mini-saia que não os conhece de lado nenhum. Até aqui tudo bem. É, lamentavelmente, recorrente acontecerem episódios destes. Acho interessante que se familiarize as pessoas com as suas obrigações, direitos cívicos e se banalize a intervenção dos cidadãos em prol de terceiros. Tudo bem. Ficou claro que as pessoas reagem consoante a sua consciência, a sua personalidade e (nunca referenciado no programa) a sua coragem. Há de tudo.
A determinada altura, no mesmo contexto, uma câmara oculta acompanha uma bela rapariga, muitíssimo bem apresentada e sexy e regista os olhares masculinos, exclusivamente os masculinos, ao longo do percurso citadino. As imagens são narradas de uma forma que coloca os homens que olharam como agressores ou assediadores sexuais. A menina no fim, em entrevista, declara que consegue ler aquilo que os homens pensam e que o olhar tem tanto de agressor como a frase porca. Se queriam identificar os olhadores como predadores deveriam em primeiro lugar registar os homens e as mulheres que olharam para percebermos se é um problema de género ou de espécie. Em segundo lugar deveriam consultar os olhadores para conhecer a sua orientação sexual. Haverá algum assédio sexual se um homem homossexual olhar para uma miúda decotada? (Isto para estabelecer uma relação entre a conduta e o possível interesse sexual.)
Perante esta manipulação e falta de rigor e seriedade, só faltava mesmo o depoimento da moça que acha condenável aquilo que ela julga saber sobre os pensamentos de alguns homens.
Eu acho que o assédio deve ser crime.
Nem me ponho no papel de pai porque tenho a certeza que se as leis fossem feitas por pais imaginando as filhas como vítimas do crime, haveria mais condenados à morte do que parvalhões. Sou contra a pena de morte, especialmente dos parvalhões. Que valeriam os não parvalhões se não houvesse parvalhões?
Mas que necessidade é esta de partir para o ridículo quando se defende uma causa justa? Será que não compreendem que só fragilizam a luta?
Então quando olho para uma moça estou a assediá-la? (Isto porque não discriminaram tipos de olhar.)
Então e o romance?
E a garota de Ipanema?
Olhar não é crime. Pensar não é crime. Assediar é crime.
Fizeram-me lembrar alguns viris frequentadores das matinés na Carruagem, na Daviom e na Spotlight que perguntavam o que é que a gente queria quando olhávamos para as suas namoradas. Afinal, estavam certos. Hiper-civilizados só estavam a poupá-las do nosso assédio sexual.

Sermente in Regresso à Casa Partida