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O comboio no coração do Porto

29 Julho 2016
O comboio no coração do Porto
Opinião
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Há cem anos o comboio chega ao coração da cidade do Porto. Em Outubro de 1916 é oficialmente inaugurada a estação ferroviária de São Bento. Um imponente edifício, granítico, construção de influência francesa, projectado por José Marques da Silva, com todas as marcas da chamada “arquitectura de ferro”, das últimas décadas do século XIX.
Onde hoje há comboios a circular, antes, existiram freiras a rezar. A estação de São Bento nasce no local onde o Rei D. Manuel I mandou construir um Mosteiro com o nome de “S. Bento de Avé-Marias”, destinado às monjas beneditinas que ali viveram até à morte da última religiosa em 1892. O “Mata-Frades”, o ministro Joaquim António de Aguiar, por decreto de 1834, pôs termo à maioria das Ordens religiosas em Portugal e os bens e pertenças da Igreja, num turbulento jogo de interesses, passaram para o Estado e para muitas negociatas.
A revolução dos transportes no século XIX desalojou muita gente. Os primeiros comboios levaram a ruralidade à cidade e o entusiasmo e a paixão, ao futebol, ao circo, ao cinema. Uma mudança sociológica profunda, onde uns se afidalgaram, enquanto outros se “acanalharam”. Diz-se que o século XIX é um tempo humanista, sem mitos greco-romanos, mas com heróis à nossa medida. É a aurora dum mundo novo, tantas foram as revoluções que mudaram o pensamento e comportamento de toda a gente.
O Porto já tinha comboios que ficavam por Campanhã. Foi preciso os túneis da quinta da China e das Fontainhas para que o comboio, chamado “desejo”, entrasse dentro da cidade. O Porto, ao tempo do comboio, sofre uma grande metamorfose sociológica. A elegância romântica de Garret, o lirismo fatalista do poeta do “Só”, a generosidade das “Tripas à moda do Porto”, a vitalidade da Praça, o café onde todos lêem jornais e engraxam as botas e que Júlio Dinis canta no romance “Uma Família Inglesa” são fantasias, as vaidades e o carácter duma linda e laboriosa cidade com o nome de Invicta.

Pe. Bártolo Pereira