A exposição “Há, de facto, um fim?” reúne obras de Isadora Neves Marques na Solar – Galeria de Arte Cinemática, em Vila do Conde, no distrito do Porto, a partir de sábado, sobre preocupações da artista com o corpo, o ambiente e a tecnologia.
“Quando recebi o convite, decidi reunir algumas obras que falam sobre essa sensação das mudanças do corpo, do corpo mutante, digamos assim, e de uma certa sensualidade dessas mudanças. Em todos os filmes, há uma sensação sensual, um erotismo de certa maneira, e o papel da tecnologia nessas transformações. É algo que percorre um pouco todos os trabalhos”, explicou Isadora Neves Marques.
Em diálogo estão quatro filmes da realizadora e escritora, dois deles com a colaboração de HAUT, artista que ocupará o espaço Cave, começando a exposição por “Digital Animals: Dream Sequences” (2017), uma vídeo-instalação de 19 minutos em que vários jovens adultos adormecem enquanto observam, em diversos dispositivos, imagens de animais em vias de extinção.
“A imagem do transplante é recorrente nestes filmes – explicitamente em ‘The Ovary’ […], mas também em ‘Digital Animals’. Não é meramente o aquecimento global que está já a impactar o presente e futuro das gerações mais novas, mas também uma devastação ecológica total. Cerca de 150 espécies são extintas todos os dias. Estima-se que em 2050 um terço das espécies animais atuais tenham sido extintas. Que memória ficará dessas vidas? Com alguma sorte, um arquivo digital”, escreveu a artista, num texto que acompanha a exposição.
Este filme “muito lento, muito sonolento”, como Isadora Neves Marques o descreve, é também o mais “explicitamente sobre questões ecológicas, de preservação da vida animal”, sempre em diálogo com uma questão fulcral no trabalho que tem desenvolvido, relacionado “com uma normatividade, que se encontra tanto numa ideia de natureza como nos corpos e nos papéis sociais”.
“Não distingo as coisas. Para mim, essa ideia do normativo atravessa tudo, visões do mundo e dos corpos, das relações. Não distingo essas separações”, comentou.
Estes filmes, que ainda não tinham sido exibidos no Norte de Portugal, têm sido agrupados noutras mostras, e “o ‘Meat is not murder’ e o ‘The Ovary’ funcionam muito em diálogo”, o primeiro a partir da ideia de carne criada em laboratório e o segundo “quase um ‘videoclip’, em que HAUT faz uma versão de uma música de Lana Del Rey”, no caso “Let me love you like a woman”, sobre uma reflexão em torno de gestação e gravidez masculina.
Estes dois, criados com HAUT, seguem-se também a uma animação digital, de 2021, intitulada “The Early Death of Sigmund Freud”, girando em torno do psicanalista, e da possibilidade de uma morte prematura que ‘apagasse’ o seu trabalho, para “reforçar a ideia do erotismo que está em todas” as propostas.
O corredor-nicho expõe também um poema, para já inédito, da autoria da artista, também ele “muito físico”, com o título “Uma Cicatriz”.
“Estes trabalhos são bastante acessíveis. […] Os filmes levantam questões, sem dúvida. Tecnológicas, sociais, de género, mas também são trabalhos bastante leves e bonitos”, refere.
A exposição é inaugurada pelas 17:00 de sábado e, com entrada gratuita, poderá ser visitada na Solar até 3 de fevereiro de 2024, na terceira colaboração entre a Curtas Metragens e a cineasta, depois de esta cooperativa ter produzido o filme “Semente exterminadora”, de 2017, apresentado no Tate Modern, em Londres, originando a série de peças subsequentes “YWY”, e de ter integrado “Aprender a viver com o Inimigo” na exposição coletiva “Terra”, na Solar, também em 2017.
Nascida em Lisboa, em 1984, a realizadora, artista e escritora tem apresentado filmes e outros trabalhos cinemáticos em festivais de cinema internacionais e galerias de arte, tendo sido responsável pelo projeto da representação portuguesa para a Bienal de Arte de Veneza de 2022, ano em que parou de trabalhar sob o nome Pedro Neves Marques.
Expôs no Museu Rainha Sofia, em Madrid, nas Galerias Serpentine, em Londres, no Palácio de Tokyo, em Paris, e nas bienais de Liverpool e Gwangju, entre outras, tendo fundado, com Catarina de Sousa, a produtora de cinema “Foi Bonita a Festa”, em 2021, sediada em São Pedro de Rates na Póvoa de Varzim, no distrito do Porto.
Tem publicado livros e, em 2020, fundou a editora de poesia Livros do Pântano, com Alice dos Reis.