O grupo de cidadãos que vem lutando contra a construção de um prédio a escassos metros a norte da igreja das Caxinas entregou, na passada sexta-feira, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, uma acção visando a impugnação do loteamento e da obra em causa. Nessa acção, pediram que várias decisões tomadas pelo município em relação a este processo sejam consideradas nulas e, consequentemente, que a Câmara Municipal de Vila do Conde seja condenada a levar a cabo todos os actos necessários para a demolição do prédio.
Para Abel Coentrão, representante do Grupo de Cidadãos, “o pedido entregue no exercício do direito à acção popular, está fundamentado num conjunto de nulidades, detectadas após uma análise cuidada deste processo, que teve início em 17 de Agosto de 1981 e deu origem a um alvará de loteamento com o número 24/83. O referido alvará foi dado como caducado em Setembro de 1991. Apesar desta declaração de caducidade, a Câmara de Vila do Conde continuou a tomar decisões sobre algo que deixara de existir, aprovando, por exemplo três alterações ao loteamento. Que são, assim, nulas. Essas alterações, note-se, foram mudando as construções previstas para o local, aproximando-as, cada vez mais da Igreja. A última, de 2011, já a pedido da contra-interessada Nova Vaga, deixava que o prédio a construir no lote mais a sul se situasse a meros quatro metros do adro.
Os terrenos em causa estão a menos de 50 metros do mar, situando-se por isso no domínio público marítimo. Os dois últimos proprietários dos lotes (a Câmara e a Nova Vaga), tinham consciência desse facto, como se percebe no processo, mas em vez de interporem uma acção judicial para verem reconhecida a posse dos terrenos e permitida a construção, foi o próprio município que, substituindo-se a um tribunal, reconheceu em 2011 esse direito ao construtor, no que configura uma outra nulidade.
Já no processo de construção, surgem outras nulidades. Uma delas é que, inexistindo um loteamento (que caducou, como vimos), o projecto deste prédio teria de ter sido sujeito a um processo de licenciamento, para verificação, entre outros, do cumprimento das normas de edificação. Mas, em vez disso, a obra iniciou-se em 2014 após mera comunicação prévia do interessado à Câmara, como acontece em loteamentos em vigor.
Acresce que o projecto viola o Plano Director Municipal, quer na comunicação prévia, em que o prédio surge a quatro metros do limite sul do lote, quer nas alterações acordadas já nos últimos meses entre o município e o empreiteiro, que colocaram a obra a sete metros de distância. O regulamento do PDM, no n. 1 seu artigo 25, explicita taxativamente que o afastamento ao lote vizinho teria de ser, no mínimo, de metade da altura da edificação em causa, ou seja, oito metros. É outra nulidade. Para justificar um menor afastamento recorreu-se a uma excepção prevista no n.3 do mesmo artigo 25 do regulamento do PDM, no qual tal é admitido em casos de loteamentos anteriores à entrada em vigor do PDM, e desde que justificado por estudo de enquadramento. Ora, nem o loteamento existe, pois foi dado como caducado, nem existe o estudo prévio, pois este teria de ser sempre um documento com força legal, como um plano de pormenor, publicado em Diário da República, que não há. Note-se que o único plano de pormenor que os vilacondenses conheceram para este lugar foi produzido para o Programa Polis. Não tem qualquer efeito legal, porque não foi publicado em Diário da República, mas serviu para os nossos responsáveis políticos espalharem brochuras pela comunidade, nas quais se via, no lugar do prédio que contestamos, uma urbanização com um jardim que respeitava a presença, e a importância patrimonial e simbólica da Igreja. O Polis terminou sem que este projecto fosse por diante e, na secretaria, o município foi montando, com o actual proprietário dos terrenos, a aberração que ali vemos.
Porquê agora? Este caso foi levantado publicamente em Fevereiro. Muitos meses se passaram e decerto algumas pessoas perguntarão por que avançamos apenas agora. Isso tem uma explicação, que todos devem saber. Só a 14 Julho, três meses depois de um dos nossos representantes ter feito o primeiro requerimento de acesso aos documentos do processo, (a 14/4), e após uma primeira recusa (14/05) do advogado da Câmara, é que pudemos iniciar a análise à extensa documentação que o integra. Uma parte dos documentos, respeitante às alterações ao projecto, decorrentes do acordo entre o município e o dono da obra, só pôde ser pedido mais tarde, a 14/07, e foi-nos entregue a 24/09. Só então pudemos concluir o trabalho de argumentação jurídica e entregar, no TAFP a nossa petição. Na verdade, por nós há muito que este processo estaria resolvido, porque são bem conhecidos, da comunicação social e da comunidade, os nossos esforços para tentar convencer a Câmara de Vila do Conde a resolver, por via da negociação, este grave problema urbanístico. Percebendo que tal não era possível, apoiamo-nos no trabalho dos advogados Letízia Ramos e Paulo Duarte, este último um conhecido especialista em Direito Administrativo, com experiência em vários casos semelhantes, para tentarmos, pela via judicial, procurar uma solução para uma situação que, insistimos, desrespeita a importância simbólica, e patrimonial, da Igreja das Caxinas. Como percebem, pelos argumentos que acima descrevemos, detectamos situações muito graves, do ponto de vista processual, que não são próprias de uma Instituição à qual caberia cumprir, e fazer cumprir, as regras em vigor. E, até por isto, não podíamos fechar os olhos, e fingir que nada vimos. Seria uma atitude nada consentânea com a nossa forma de actuar, e com a legalidade pela qual pugnamos, desde o primeiro momento em que o caso tomou públicos contornos.
Os problemas detectados levam-nos a questionar ainda mais a opção assumida pelo executivo liderado pela Dr.ª Elisa Ferraz para, supostamente, solucionar o caso, com o afastamento do prédio dos quatro para os sete metros de distância ao adro. Se o processo está pejado de todos os problemas que acima assinalamos, se ele está ferido de morte por decisões tomadas pelo próprio município, como é possível fazer um acordo com o dono da obra e oferecer-lhe, pela redução, nas Caxinas, de 225 metros quadrados de construção a que ele nem tinha direito, dois terrenos, milhares de metros quadrados de área de construção, noutra zona nobre da cidade?
A acção que interpusemos contesta o processo urbanístico relacionado com o prédio junto à Igreja. Não visa este acordo. Mas aquilo que ela revela deveria levar os nossos autarcas a rever as suas decisões. Porque está visto que o interesse público, que não foi respeitado nesta obra nas Caxinas, voltou a ser secundarizado no desfecho acordado entre a Câmara e o promotor já este ano. Nós, pela nossa parte, não podemos ser responsabilizados pelos erros que os decisores cometem e não querem assumir. Mas responsabilizamo-nos, como temos feito ao longo deste ano, por procurar as melhores soluções para este problema. E continuamos disponíveis para isso, desde que a lei, a população das Caxinas, e a Igreja do Senhor dos Navegantes, seu símbolo maior, construído com o seu esforço, sejam efectivamente respeitadas.”
Depois da conferência de imprensa, o Grupo de Cidadãos informou que abriu uma conta para fazer face às despesas de todo o processo judicial, com o NIB 001 000 005 316 403 000 15 3, IBAN PT50001000005316403000153 e BIC: BBPIPTPL, e frisou que toda a ajuda será bem-vinda.