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Vencimentos e exposição podem inibir exercício de cargos de presidentes de Câmara e vereadores

12 Outubro 2024
Vencimentos e exposição podem inibir exercício de cargos de presidentes de Câmara e vereadores
Política
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Os vencimentos de presidentes de Câmara e vereadores e a exposição a redes sociais ou ‘julgamentos’ na praça pública podem inibir as pessoas de se candidatarem ou assumirem cargos públicos, segundo dois antigos autarcas e um sociólogo.
Sobre se o avolumar de casos judiciais, por um lado, e os vencimentos e a permanente exposição pública motivada pelas redes sociais e desinformação, por outro, podem afastar as pessoas do exercício de cargos locais, como os que estarão em disputa daqui por um ano nas próximas eleições autárquicas, Filipe Nunes, especialista em Políticas Públicas do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, admitiu que sim, referindo especificamente os profissionais mais qualificados.
“O escrutínio a que está sujeita (e bem) a atividade política (em democracia todos os poderes devem ser escrutinados) e, especialmente, as oportunidades salariais do setor privado podem de facto estar a afastar os mais qualificados do exercício de funções públicas”, afirmou o também vice-presidente do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais do ISCTE.
O problema, indicou, engloba quadros superiores das áreas de economia, gestão e engenharia, mas também os profissionais liberais.
No caso português, vincou Filipe Nunes, as diferenças salariais entre público e privado aumentaram com a abertura da economia e a consolidação da integração europeia a partir da segunda metade da década de 1980.
“As remunerações no Estado e na Administração Pública são muito competitivas com o privado na base, mas muito pouco competitivas e atrativas no topo”, argumentou.
Aliás, o docente do ISCTE frisou que “não será por acaso que cerca de metade dos autarcas portugueses tem como atividades anteriores o exercício de funções técnicas na Administração Pública ou a docência”.
“E vemos a mesma tendência noutros segmentos da elite política. São atividades que podem ser retomadas a qualquer momento sem custos para a carreira, e com estatutos remuneratórios inferiores ou em linha com as remunerações dos cargos políticos locais. Não será assim para um médico, um advogado ou um empresário”, enfatizou.
No entanto, ainda segundo o professor universitário, numa democracia liberal “haverá sempre diferenças remuneratórias significativas entre funções públicas e privadas”.
“Nunca será por causa do vencimento que alguém se vai candidatar a cargos políticos, muito menos autárquicos”, defendeu.
Ouvido sobre o que pode inibir os cidadãos de se candidatarem a cargos políticos, concretamente em autarquias, o antigo presidente das Câmaras Municipais de Vila do Conde e do Porto, Fernando Gomes, considerou que, tirando os deputados ao Parlamento Europeu, “todos os políticos são mal pagos em Portugal”.
“Ninguém ficará num cargo político porque a remuneração o atrai, será sempre por outras razões”, declarou.
Se, na opinião do ex-autarca, a circunstância de os vencimentos não serem atrativos inibe muita gente de participar na vida política, Fernando Gomes admitiu que esse também foi um dos argumentos que o levaram a abandonar os cargos políticos, na década de 2000, depois de 30 anos de serviço público, voltando para a vida empresarial, onde esteve mais 20 anos.
Outro argumento limitador diz respeito às redes sociais: “isso é profundamente inibidor, coisa que no meu tempo não acontecia. No meu tempo havia uma comunicação social que tinha regras, que tem regras, que está sujeita à deontologia da profissão e que, por muitos erros que tenha cometido, não se compara com as atoardas e com esta ‘pseudo-liberdade’ que têm todos aqueles que escrevem nas redes sociais, muitas vezes sem qualquer sentido de responsabilidade nem informação”, lamentou Fernando Gomes.
Já Carlos Encarnação, que em Coimbra liderou a Câmara Municipal entre 2002 e 2010, questionou se um autarca, nos tempos de hoje, quer ter a sua vida “em completa devassa, ser rotulado de vigarista e outras coisas, a cada passo que dê, sem ter armas iguais para se poder defender”.
“A história de alguns jornais que fazem disso profissão remunerada e a história das redes sociais em que as pessoas atuam sem qualquer ideia de responsabilidade é, na realidade, muito aborrecida”, observou.
O também antigo governante, deputado e governador civil teve a sua quota-parte de processos judiciais enquanto era presidente da Câmara de Coimbra, envolvendo-o a si e ao município, e lembrou: “as notícias multiplicaram-se, e tenderam a oferecer a decisão das causas antes do seu julgamento.”
A frase consta da introdução de um livro que publicou, onde só escreveu a página introdutória. tudo o resto, na obra “Justiça Transparente”, inclui, segundo o autor, notícias, suspeições, aproveitamento político, contradições e sentenças finais. O autarca acabou absolvido em todos os processos de que foi alvo.
A apresentação do livro, pelo atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi o último ato público de Carlos Encarnação, antes de renunciar ao mandato em Coimbra, em dezembro de 2010.