O filósofo José Gil afirmou hoje que o maior perigo que a democracia enfrenta é o partido Chega e a “falta de resposta eficaz da democracia” à sua subida, alertando ainda para os riscos “à escala planetária”.
“A estupidificação, a perda total de, vamos chamar-lhe, decência democrática – uma palavra usada por Obama referindo-se a Trump, porque não é tudo Trump -, o rebaixamento do espírito, o rebaixamento do comportamento cívico, tudo isso está no Chega”, afirmou o filósofo, no final da conferência de abertura do Festival Correntes d’Escritas, que decorre na Póvoa de Varzim.
Para José Gil, “a mentira, a possibilidade de fazer tudo e de ir contra a democracia e, imediatamente, o não respeito dos outros, o que está implícito no comportamento, na retórica do Chega é indizível, como rebaixamento do que pode ser um comportamento, uma conduta cívica”.
Sobre as intenções de voto apontarem para uma subida do partido, o filósofo disse que é um facto que “não se pode ignorar” para de seguida alertar para o comportamento dos “políticos democratas”, que fazem o que “está errado” para descobrirem no dia seguinte que está errado, “como o que fez o presidente da Assembleia [da República], quando deu importância enorme ao [líder do Chega, André] Ventura na Assembleia”.
José Gil falou ainda de uma “degradação de valores”, cuja origem se poderia perguntar a um filipino, que tem um regime de extrema-direita, para a seguir afirmar que esta é “uma questão planetária”.
O autor de “Morte e Democracia”, editado pela Relógio d’Água, falou sobre este tema depois de ter terminado a sua apresentação, centrada essencialmente na literatura e na filosofia, alertando que a democracia está em risco por “razões óbvias, por uma espécie de subida e envolvência planetária de um espírito de extrema-direita, que, não se sabe como, envolve o planeta inteiro”.
“A maneira como se responde às alterações climáticas, que é uma ameaça à extinção da humanidade, é um perigo para a democracia, a maneira como se contamina o populismo neofascista às alterações climáticas, na resposta às novas tecnologias, que transformam e que podem ser um perigo absolutamente terrível também, parece-me uma evidência. Estou a descrever o que toda a gente sabe”, afirmou.
Antes, José Gil fez uma intervenção em que assinalou que grande parte da literatura mundial “está profundamente impregnada de filosofia” e que escrita literária se alimentou “dos mais variados temas filosóficos”.
Como testemunho, citou livros como “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, e “Cosmos”, de Gombrowicz, ou filósofos como Platão e Nietzsche.
José Gil lembrou ainda os “tantos filósofos que no fim da vida se tornam poetas” e sublinhou que hoje “emerge o romance de massa, que aparece cada vez mais impregnado de filosofia”, desde “A fórmula de Deus” a “O segredo de Espinosa”, de José Rodrigues dos Santos.