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Fernanda Melchor vence Prémio Literário Casino da Póvoa de 25 mil euros do Correntes d’Escritas

21 Fevereiro 2024
Fernanda Melchor vence Prémio Literário Casino da Póvoa de 25 mil euros do Correntes d’Escritas
Cultura
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A escritora mexicana Fernanda Melchor venceu a 25.ª edição do Prémio Literário Casino da Póvoa, com o livro “Temporada de Furacões”, publicado pela Elsinore, foi hoje anunciado no festival Correntes d’Escritas.
O júri foi constituído por Ana Gabriela Macedo, Carlos Vaz Marques, Isabel Lucas, Isabel Pires de Lima e José Mário Silva.
“O romance destaca o lado mais sombrio da natureza humana, numa comunidade dominada pela violência mais extrema e pela luta entre cartéis de droga. Com uma escrita torrencial marcada pela coloquialidade, a escritora dá corpo a uma narrativa polifónica que exacerba a existência de personagens, elas próprias restos na periferia da periferia. Tudo isto conduz o leitor a uma experiência de vertigem, isenta de qualquer tentação moralista”, escreveu o júri.
O prémio, agora de 25 mil euros, vai ser entregue no sábado, a par dos demais galardões do evento que hoje começou em pleno na Póvoa de Varzim.
“Temporada de furacões”, publicado em Portugal em janeiro do ano passado, é um romance original e violento, que aborda temas como machismo, abusos sexuais e superstição no México.
Este terceiro livro de Fernanda Melchor, atualmente um dos nomes mais aclamados da literatura latino-americana, foi lançado no México em 2017, tendo conhecido de imediato, e principalmente após começar a ser traduzido para língua inglesa, enorme sucesso junto da crítica e do público, arrecadando importantes prémios como o International Literature Award, PEN México Award for Literary and Journalistic Excellence e Anna-Seghers.
“Temporada de furacões” figurou ainda na lista de finalistas ao National Book Award, ao Dublin Book Award e ao Prémio Booker Internacional, um dos mais importantes para obras de ficção traduzida para inglês, a que voltou a ser candidata em 2022, com o seu último romance, “Paradaise”, publicado este mês em Portugal, também pela Elsinore.
A voz de Fernanda Melchor junta-se à de outras autoras latino-americanas que se têm destacado por uma escrita poderosa e incómoda, que abordam temas como a violência, o abuso sexual, a pobreza, a corrupção e a superstição, aliando, neste caso, o conteúdo a um estilo narrativo original, caracterizado por blocos de texto corrido sem parágrafos, com avanços e recuos temporais e mistura de discursos direto e indireto.
A história passa-se em La Matosa, aldeia pobre do interior do México frequentemente assolada por furacões, e começa com um grupo de crianças que encontra um corpo mutilado a flutuar num canal de irrigação.
Este cadáver é a Bruxa, uma espécie de curandeira, que herdou da mãe “o negócio das curas e dos malefícios”, de quem ninguém conhece o nome, pois era tratada por “menina” pela mãe, e passou a ser Bruxa (como também a mãe era conhecida) quando ficou sozinha.
Temida e respeitada, a Bruxa era procurada por todos os que precisavam de ajuda para resolver problemas, desde abortos a feitiços para atrair ou afastar a pessoa amada.
Na busca do assassino, a história vai sendo narrada, na terceira pessoa, sob o ponto de vista de diferentes personagens ligadas direta ou indiretamente à Bruxa.
É através das histórias dessas pessoas, que se vai desvendando a violência daquela sociedade, com relatos de misoginia, homofobia, racismo, erotismo perverso, violação, pedofilia, corrupção, sempre envoltos numa aura de superstição que parece tudo querer justificar.
A inspiração para esta história de ficção partiu de um acontecimento real, de que Fernanda Melchor teve conhecimento através de uma notícia de jornal. Uma mulher foi assassinada e o seu corpo encontrado num canal perto de Veracruz, cidade onde a escritora nasceu há 41 anos, tendo o assassino confessado que cometeu o crime porque a mulher o tentara enfeitiçar, um episódio revelador da dimensão que a crença no sobrenatural ocupa naquela região.
O romance de Fernanda Melchor também não deixou indiferentes as escritoras argentinas Mariana Enriquez e Samanta Schweblin, outros aclamados nomes da nova literatura latino-americana.
A primeira, autora de “A nossa parte da noite” e “As coisas que perdemos no fogo”, descreveu esta obra como “uma experiência literária intensa e hipnótica, na qual a violência física e a hostilidade da paisagem se aliam para formar um microcosmo de desespero”.
“Fernanda Melchor é detentora de uma voz poderosa, e por poderosa entendo implacável, devastadora, a voz de alguém que escreve com raiva e que tem o talento para a exprimir”, considera, por sua vez, Samanta Schweblin, autora de “Pássaros na boca” e “Distância de segurança”.
Nascida em 1982, Fernanda Melchor é escritora e tradutora, sendo formada em jornalismo com um mestrado em Estética e Arte.
Colabora com vários jornais e publicou, além dos dois romances já editados em Portugal, um volume de contos, “Aquí no es Miami” (2013), e o romance “Falsa libere” (2013).
O seu mais recente romance, “Paradaise”, é também uma exploração da violência e fragilidade da sociedade mexicana, das suas tendências racistas, classistas e hiperviolentas, centrada num adolescente pobre e desajustado que sonha em fugir da sua aldeia miserável.
Trabalhando como jardineiro num condomínio de luxo, de nome “Paradaise” e situado na margem oposta do rio que divide a localidade mexicana de Progreso, onde vive, o jovem Polo vê-se obrigado a servir os ricos e a ser explorado pelo patrão.
Nesse condomínio, conhece o obeso e solitário Franco, filho de um advogado influente, com quem estabelece uma relação momentânea, regada a álcool, cigarros, baboseiras e fantasias.
Viciado em pornografia, Franco desenvolve uma obsessão por uma vizinha atraente e casada, ao ponto de engendrar com Polo, durante os seus encontros secretos junto ao cais, um plano macabro para obterem aquilo que julgam merecer.
Com um programa centrado na “Liberdade”, em alusão aos 50 anos do 25 de Abril, o encontro de escritores de expressão ibérica que é organizado anualmente pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim conta este ano com a presença de 120 autores de 16 nacionalidades.