O papel desempenhado por cidadãos anónimos na Revolução de Abril e o seu percurso na resistência ao fascismo é levado à cena no Teatro Tivoli, em Lisboa, na próxima segunda-feira, através de canções e da narração das suas histórias.
O espetáculo intitula-se “Os Anónimos de Abril” e conta com as vozes de Joana Alegre, João Afonso e Rogério Charraz, também na guitarra, e autor das músicas, e ainda com José Fialho Gouveia, autor das letras, e que liderou a investigação das histórias individuais escolhidas, assim como das imagens de época, que serão projetadas, de todos os “anónimos” homenageados.
Quatro dos anónimos homenageados estarão na plateia do Tivoli, o ex-militar Francisco Sousa Mendes, a então florista Celeste Caeiro, a miltante antifascista Branca Carvalho e o padre Alberto Neto.
Celeste Caeiro, que distribuiu os cravos na quinta-feira da Revolução, trabalhava num restaurante que comemorava um ano de vida no dia 25 de Abril de 1974. Francisco Sousa Mendes, que seguia na coluna de Salgueiro Maia, é neto do cônsul Aristides Sousa Mendes e, tal como o avô, opôs-se ao regime de ditadura legitimada pela Constituição de 1933.
Da lista constam também Branca Carvalho que, na clandestinidade, “sofreu assédio sexual até dos camaradas do partido”, e que inspirou a canção “Mariana”.
“O suposto ‘marido’ arranjado pelo partido assediou-a sexualmente e chegou a ter uma arma apontada à cabeça”, disse o músico Rogério Charraz.
Outro homenageado é o padre Alberto Neto que, “apesar da cumplicidade da Igreja Católica com o regime, enquanto capelão da capela do Rato, desempenhou um papel fundamental no espoletar da célebre vigília de oposição à Guerra Colonial em 1972”, naquela capela no centro de Lisboa.
A lista de “anónimos inclui, entre outros, Jorge Alves, militar da GNR que foi cúmplice na fuga do líder comunista Álvaro Cunhal e de outros nove presos políticos do Forte de Peniche, em 1960”.
Entre os “anónimos” trazidos a cena está também Sãozinha, de seu nome de registo Belmira da Conceição Gonçalves, que na ilha da Madeira, no verão de 1962, durante a “Revolta das Águas” na Lombada, foi atingida mortalmente pela PSP, aos 17 anos.
Albina Fernandes, que em 1961 foi presa e enviada com os filhos para o Forte de Caxias, onde dormia de joelhos agarrada à mão das crianças para impedir que fossem levadas, é outro dos heróis anónimos, que se opuseram à ditadura, homenageados no espectáculo.
Maria dos Santos Machado, dos Açores, também é lembrada: professora primária que “ficou conhecida pelo vanguardismo com que exerceu a profissão”, e que a partir de 1942, passou a viver na clandestinidade, ficou responsável pela impressão do jornal Avante!, até a sua tipografia ter sido descoberta por acaso. Maria dos Santos Machado não fugiu para poder queimar documentos e permitir a evasão de dois camaradas que trabalhavam consigo, tendo sido presa, na primeira de quatro detenções que registou.
São ainda lembrados Luís e Herculana Carvalho, pais do destacado dirigente comunista Guilherme da Costa Carvalho, que, “fazendo uso da sua influência, conseguiram uma autorização que mais ninguém teve, visitar o filho na colónia penal do Tarrafal, [em Cabo Verde], tendo aproveitado a viagem para fotografar todos os presos e as campas dos prisioneiros mortos.”
“No regresso a Portugal percorreram o país de uma ponta à outra para entregar as fotografias aos familiares dos detidos”.
Ao todo, “Os Anónimos” são 14 histórias, entre tantas outras, histórias que inspiraram as canções que constituem este musical sobre a Revolução dos Cravos, a comemorar 50 anos.
“É a história da Revolução, mas também de todo o percurso de resistentes anónimos que lutaram, em circunstâncias dificilíssimas, até o 25 de Abril acontecer”, disse Rogério Charraz, referindo que “há os protagonistas que serão sempre lembrados, e bem, mas há um conjunto de cidadãos que contribuíram também para este grande dia e que procuramos homenagear, contando/cantando as suas histórias”.
“Houve muita gente que pagou um preço alto por ter lutado contra o regime, e que poucos de nós saberão quem foram”, realçou.
José Fialho Gouveia, em palco, vai fazer o “elo de ligação” entre as diferentes histórias, apresentando as personagens, contextualizando-as, sendo “o fio condutor” de todo o espectáculo, que, além de Lisboa, irá subir à cena em nove outras cidades até outubro, contando “voltar no ano seguinte”, e vir a ser editado em CD, disse Rogério Charraz.
Além de Rogério Charraz, na guitarra, a banda do espectáculo é composta pelos músicos Alexandre Frazão, na bateria, Nuno Oliveira, no baixo, Carlos Garcia, ao piano, e Marco Reis, nas guitarras.
Em palco dois músicos “de talento” e com raízes familiares ligadas à luta antifascista e à revolução: Joana Alegre, filha do poeta Manuel Alegre, e João Afonso, sobrinho do cantautor José Afonso.
Depois de Lisboa, “Os Anónimos de Abril” sobem a cena em Portimão, a 16 de março, no Montijo, a 6 de abril, e em Fafe, cerca de duas semanas depois, no dia 19.
Ainda em abril, o espectáculo estará em Vila do Conde, a 20, e na véspera do dia celebrado, a 24 de abril, em Santa Maria da Feira. Três dias depois, 27 de abril, será a vez de Barcelos.
Em setembro, no dia 21, “Os Anónimos de Abril” estarão em Grândola, e a 26 de outubro, em Loulé, “havendo ainda datas a confirmar”.