Todos os dias da semana, independentemente do tempo, quatro guarda-rios vigiam e monitorizam o rio Leça, que atravessa os concelhos da Maia, Matosinhos, Santo Tirso e Valongo, no distrito do Porto, fazendo “renascer” uma profissão extinta em 1995.
Com uma extensão de 47 quilómetros, o rio Leça tem, diariamente, o André, o José, o Paulo e o Daniel que, de carro, bicicleta elétrica ou a pé, o percorrem, monitorizam e vigiam para identificar eventuais irregularidades, nomeadamente alterações à qualidade da água, colonização de plantas invasoras, focos de poluição, vedações caídas ou entupimentos.
A isto junta-se, ainda, a promoção da biodiversidade, plantação de árvores e sensibilização da população para a necessidade de cuidar do ambiente.
A estas funções vão ser acrescentadas outras que, dentro de dois a três meses, vão tornar-se mais simples, com a criação de uma aplicação para telemóveis (‘app’) onde os guarda-rios vão poder, no imediato, georreferenciar e registar com texto e imagem a ocorrência, contou esta terça feira o diretor-executivo da Associação de Municípios Corredor do Rio Leça, Artur Branco.
A aplicação vai fazer com que as ocorrências registadas cheguem muito mais rapidamente às autoridades responsáveis por intervir e, dessa forma, se resolvam de forma mais célere.
Até agora, contou o responsável, os guarda-rios já detetaram uma dezena de situações anómalas.
Esta profissão, que é tida como do passado, depois de ter sido formalmente extinta em 1995, é agora recuperada com as antigas funções, mas com novos desafios ambientais.
“É uma profissão da qual muitas pessoas têm saudades, que tinha grande utilidade, que era muito visível e que, curiosamente, deixou de existir. E nós estamos a reativá-la, mas não exatamente nos mesmos moldes, porque o enquadramento legal é outro”, referiu.
Artur Branco frisou que os guarda-rios são a primeira linha e os olhos das várias entidades no terreno, por isso, a sua importância é “enorme”.
Os guarda-rios do Leça, com idades entre os 34 e 63 anos, são funcionários das câmaras municipais da Maia, Matosinhos, Santo Tirso e Valongo e exercem desde 2022 esta profissão, sobre a qual pouco sabiam.
Abeirado do rio e vestido com uma casaca verde escura onde era visível nas costas a palavra guarda-rios, Daniel Vítor, de 34 anos, analisava a qualidade da água com recurso a uma sonda multiparamétrica móvel (dispositivo capaz de registar diversos parâmetros físico-químicos da água).
Depois de ter tido formação para manusear o equipamento, tal como os restantes, Daniel Vítor, que trabalhava nas obras, confessou estar a adorar o seu novo emprego.
“Gosto mesmo muito do que faço”, disse, acrescentando que ser guarda-rios implica uma aprendizagem e descoberta diária, sobretudo no que diz respeito à fauna e à flora.
Já José Silva, de 54 anos, que antes fazia manutenção de espaços verdes, tinha-se inscrito numa formação de guarda-rios e, quando a oportunidade chegou, foi “ouro sobre azul”.
Em cima de uma bicicleta elétrica, o guarda-rios assumiu que esta sua nova função é “muito aliciante”.
“Há pontos do rio onde temos de passar diariamente para ver se há focos de poluição”, explicou, contando que as pessoas “veem com bons olhos” o seu regresso.
A poluição no rio Leça é ainda bem visível, depois de já ter sido considerado um dos mais poluídos da Europa, com a acumulação dos mais diversos objetos nos seus ramos de árvores e margens.
Cadeiras, bancos, máscaras cirúrgicas, sacos de plástico e até roupa são algumas das coisas que se encontram no Leça, o que Artur Branco atribui à falta de civismo das pessoas e não à falta de capacidade e disponibilização de meios por parte das autarquias.
A função dos guarda-rios é também a de sensibilizar a população para mudar os comportamentos, algo atrativo para Paulo Marujo, de 47 anos, habituado a lidar com o público.
Antes de “vigiar” o rio Leça, Paulo Marujo era “zelador” das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa onde, além disso, dinamizava ‘workshops’.
Apaixonado pela natureza e pela fotografia, não podia estar mais satisfeito com as suas novas tarefas, dizendo que, apesar de haver muito a fazer no rio, o processo de lhe dar uma nova imagem “vai no bom caminho”.
O mesmo caminho é algo que André Carvalho, de 63 anos, não se importa de percorrer todos os dias, preferivelmente de bicicleta, porque o contacto com a natureza é uma “mais-valia”.
O mais velho dos quatro guarda-rios, que antes tinha trabalho numa quinta e numa fábrica, assumiu gostar “imenso” do que faz, porque os dias são sempre diferentes.
O “reaparecimento” dos guarda-rios, nome de aves de pequeno a médio porte, de plumagem colorida e pescoço curto, deve-se à limpeza e recuperação ecológica a que o Leça vai ser sujeito até final deste ano.
O investimento neste projeto é de quatro milhões de euros, financiados através do programa REACT-EU.
Atravessando uma região com intensa atividade industrial, o rio foi, ao longo dos anos, afetado com vários focos de poluição, que degradou a qualidade das águas e dos sistemas biológicos.