Movimentos cívicos acusaram o Estado de deixar de ser “apenas cúmplice” para ser “culpado da destruição de território” com a aquisição da Galp de 10% do projeto de exploração de lítio da Mina do Barroso, em Boticas.
“Com o anúncio da compra, o Estado Português (detentor de 7,5% do capital da Galp) deixa de ser apenas cúmplice e passa a assumir-se como culpado da destruição de território que é Património Agrícola Mundial e onde está localizada a proposta ‘Mina do Barroso’”, realçaram, em comunicado, onze associações e de movimentos cívicos contra vários projetos de mineração em Portugal.
A Galp vai adquirir 10% do projeto de exploração de lítio da Mina do Barroso, em Boticas, distrito de Vila Real, por 6,4 milhões de dólares (5,26 milhões de euros), segundo um acordo assinado com a Savannah Resources agora divulgado.
Em comunicado, a empresa mineira britânica referia que o valor investido “vai ser usado para dar continuidade aos trabalhos com vista ao estudo definitivo de viabilidade [‘Definitive Feasibility Study (“DFS”)’] do projeto, após as devidas autorizações e a conclusão dos acordos definitivos com vista à parceria”.
A entrada indireta do Estado no negócio é criticada agora pelas associações Unidos em Defesa de Covas do Barroso, Montalegre Com Vida, Corema – Associação de Defesa do Património | Movimento de Defesa do Ambiente e Património do Alto Minho, Em Defesa da Serra da Peneda e do Soajo, Guardiões da Serra da Estrela, Movimento Não às Minas – Montalegre, Contra Mineração Beira Serra, SOS Serra d’Arga, SOS – Serra da Cabreira – BASTÕES ao ALTO!!, PNB – Povo e Natureza do Barroso e SOS Terras do Cávado.
Estas associações e movimentos salientam que a compra confirma “todas as suas piores suspeitas desde o início do chamado ‘Programa Nacional do Lítio’”.
“[O Programa Nacional do Lítio] visa promover a mineração em larga escala no nosso país e a qual o senhor Ministro do Ambiente procura justificar com a transição energética e com uma cadeia de valor que, facto cada vez mais claro, não ficará em Portugal”, apontam.
E lembram que “este acordo ‘Galp-Estado-Savannah’” surge “ainda antes do Estudo de Impacte Ambiental ser publicado para consulta pública, o que levanta questões relativamente ao valor que a Galp, e por extensão o Governo, põem na imparcialidade da avaliação a que está sujeito”.
Para os grupos, este processo é “mais uma demonstração da falta de transparência que tem sido a principal característica do ‘modus operandi’ deste Governo, pela mão do Ministério do Ambiente e Transição Energética”.
As associações “repudiam veementemente esta forma de atuação, que prejudica claramente o conceito de Estado enquanto ‘uma pessoa de bem’, pelo que exigirão o necessário e devido esclarecimento deste processo, até às últimas consequências”.
“Enfrentamos a situação ‘orwelliana’ e inaceitável de termos o Ministério do Ambiente não só a promover a mineração a céu aberto, mas também a participar ativamente no que se antecipa ser a destruição de largas áreas do nosso território, recorrendo a estratégias que comprometem a sustentabilidade a longo prazo, atropelando o direito das populações de serem ouvidas em todo o processo e pondo em causa o futuro”, destacam.
O comunicado refere “a imprudência e ingenuidade de algumas autarquias do interior atrás do brilho que parece reluzir na promessa de uma refinaria, demonstrando a sua vulnerabilidade perante um Governo que parece prestes a sacrificá-las”.
“A autarquia de Matosinhos, que tão bem conhece os impactes de uma refinaria de petróleo, veio rejeitar a possibilidade de vir a ter uma de lítio dizendo que não está disposta a salvaguardar os postos de trabalho perdidos a qualquer preço. Logo de seguida, vêm os autarcas de Ribeira de Pena e Vila Pouca de Aguiar disponibilizar o seu território para acolher a dita refinaria, como já havia anteriormente feito o presidente da Câmara de Montalegre sem conhecer as praticabilidades quanto mais os riscos que dela poderiam advir”, sustentam as Associações e Movimentos.
Em maio de 2017, a Savannah Resources adquiriu a Slipstream Resources Portugal, onde se incluem as concessões de lítio da empresa em Portugal, para desenvolver o projeto mineiro na região do Barroso, no concelho de Boticas, detendo a Mina do Barroso a 100% desde junho de 2019.
Com um investimento total estimado na ordem dos 110 milhões de euros e a criação prevista de 215 empregos diretos e 500/600 indiretos, o projeto de exploração de lítio em Boticas aguarda ainda decisão quanto à avaliação de impacte ambiental, mas tem vindo a ser contestado pela população local que criou a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) para lutar contra a mina.
O Ministério do Ambiente e da Transição Energética ainda não se pronunciou sobre o assunto.