Filipe Marques. Pensador. Executante. Artista visual. De Vila do Conde, de Portugal e do Mundo. A sua mais recente exposição individual abriu na Galeria Fernando Santos, no Porto e estará patente até ao início de Março. É imperdível. Chama-se “Feel it, no fear. The flesh is yields and is numb”, o que pode ser traduzido por “Toca-lhe, sem medo. A carne é mole e está paralisada”, uma evocação do poeta expressionista alemão Gottfried Benn. A obra de Filipe Marques não é de fácil apreensão, porque não é passiva. Obriga-nos a pensar, a descobrir, a questionar os nossos limites e a nossa mortalidade. É incómoda. Perturba. É Arte.
Sei que sou suspeito para falar dele. Conheço-o não sei há quanto tempo… Nos últimos anos ficámos ainda mais próximos, o que me torna um privilegiado, já que me permitiu apreender mais facilmente a natureza do seu trabalho.
O Filipe Marques é um pensador. Muscula o cérebro consumindo cultura, o que faz de forma completamente heterogénea. Música, literatura, cinema, fotografia, tudo é importante e tudo é dissecado pela sua alma perscrutante e eternamente insatisfeita. É esta procura pela perfeição que o motiva e que o atormenta. Flaubert parava de escrever até encontrar a palavra certa. “La demande pour le mot juste”. O Filipe procura a ideia perfeita. O seu fascínio pelo limite leva-o a um “close to the edge” sem psicadelismos, ao encontro de autores marginais ou desconhecidos para a maralha que se deleita chafurdando na efémera cultura pop. Dúvidas? Na inauguração da exposição, o Filipe exibia uma t-shirt onde se lia: “o que é que faria Slavo Zizek?”, referindo-se ao teórico esloveno que se tem debruçado sobre questões como “o Real, o Simbólico e o Imaginário”.
Quando chega o momento da execução, surge-lhe um outro problema que também o agoniza: a veracidade. A obra a que se dedica é exactamente aquela que concebeu mentalmente? As palavras que diz ou escreve traduzem perfeitamente o que pensa e sente? O que exterioriza corresponde ao que concebeu? É esta pressão interna pela perfeição na transmissão da mensagem que o leva a mergulhar, agora, na teoria da linguística. Filipe Marques escala montanhas de livros para tentar sair do outro lado mais esclarecido. Se não o consegue, o exercício tem pelo menos uma virtude: acalma-o.
Chegamos, então, ao momento visual, à obra, sempre abençoada com uma grande dose de originalidade, embora ele continue a rezar ao deus Bruce Nauman… Ora, sendo os seus trabalhos a síntese entre o que racionalmente colheu com o que emocionalmente o faz ser quem é, naturalmente que a compreensão duma peça sua não é fácil para não iniciados. Se uma das funções da Arte é transmitir algo ao observador, a verdade é que isto tem diferentes níveis de leitura, consoante se está, ou não, esclarecido sobre os fundamentos estético-culturais do criador. Quem observa uma obra do Filipe pela primeira vez e mesmo sem o conhecer, poderá até não alcançar toda a extensão do seu propósito artístico mas há algo que o atingirá: uma estimulante sensação de incómodo que obrigará o visitante a querer percebê-la, a querer saber mais sobre ela, porque saberá mais sobre si próprio.
É dentro desta triangulação entre o Filipe-pensador, o Filipe-comunicador e o Filipe-criador que nasce o “Filipe Marques, artista uno”, porque entre aquelas suas três existências teceu-se uma linha que une sabedoria, energia e, claro, muita beleza.
Bem-hajas, Filipe, por dares luz à minha vida. À nossa vida.