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Sozinho em casa…

17 Dezembro 2016
Sozinho em casa…
Opinião
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A única pessoa que conhecia na íntegra o Jorge era a senhora Sua Mãe.
Jorge pega no seu corpo imaculado e calculado e no seu não menos atraente Porsche, e entra no carro lado a lado com a sua insegurança. Quem conduz hoje inevitavelmente será ela. Desliga o radio e dirige-se para a casa onde nasceu. Usa o fato mais escuro que tinha ao dispor e por baixo carrega um coração que bate incessantemente e desconsoladamente. Sente medo. Começa repentinamente a chover com muita intensidade e Jorge, mais uma vez na sua vida, estava desprevenido. Acabou por enlamear os sapatos, a bainha das calças e os salpicos no sobretudo eram facilmente visíveis. O cheiro do seu perfume foi rapidamente substituído pelo cheiro a chuva naqueles breves 30 metros que percorrera até à porta. Bate à porta com persistência e a Mãe apenas disse “Já bou!” enquanto mirava com dificuldade pelo vitral a origem do carro que estava estacionado. Esses 30 segundos pareceram 15 minutos e foram os necessários para gozar com os 50 minutos que Jorge tinha dispensado para se preparar. A Mãe abre a porta e ele pendura-se de imediato nos seus braços. Já não quer saber se chove, se está frio, se hoje é sexta. No meio das gotas geladas da chuva de Amares, Jorge aproveita para envolver lágrimas à mistura. A Mãe apenas percebeu o abraço. Descalça-se, despe-se sem preconceito e seca-se enquanto a Mãe fora buscar o robe de seu pai ao quarto da moça. Faz um chá de urtigas para dois. Sentam-se à mesa na cozinha, a três, com a vista para a vacaria e com um reconfortante cheiro a estrume. Jorge ficou bem mais calmo e sozinho com sua Mãe. Sábia e perspicaz, sem precisar de ouvir diz “Meu único Filho, cuidado com o silêncio de uma mulher. É porque já não quer saber. É porque já pensou. É porque já desistiu. Tu já desististe há uns 20 anos mas és homem, essa é a grande diferença.” Jorge chora sem contenção, respira fundo, olha para sua Mãe e diz: “ O que tem de ser tem muita força, certo Minha Mãe?”. A Mãe não responde verbalmente mas o seu rosto expressa um “Pois” indubitável. Ele concorda com esta expressão e repete-a. Também repetem mais uma chávena de chá. E a Mãe conclui: “Sempre fizeste a vida que quiseste mas a piquena não tem culpa de nada disto. E a Sofia tem de ter a oportunidade de ser feliz. Tu afinal gostas é de estar à tua mercê.” Jorge, por breves instantes, fica mais esclarecido, mais velho, mais enrugado, mais caído. Fica mais seco ainda que afogado em mágoa. Talvez seja medo não de perder a esposa mas de sair da aparente e ilusória felicidade que transparece para o mundo. Levanta-se, beija a testa de sua Mãe e dirige-se para a lareira onde estava a sua roupa. Com um cheiro a madeira queimada estonteante dirige-se para a porta e sua Mãe diz “Estou aqui sempre para ti. Ainda que nada desta vida seja para sempre. Vai mas volta. Leva esta saca de batata doce e laranjas para os pequenos almoços.”
Jorge acena, dirige-se para o carro, consegue esboçar um leve sorriso com alguma perversidade e ainda que não seja verdadeiro…
Continua…

Ana Rita Costa