Viagem ao Egipto (I)
Voámos até Assuão, onde nos hospedámos num confortável barco de cruzeiro. A visita a uma povoação núbia foi aproveitada para um divertido passeio de camelo e para um mergulho num Nilo surpreendentemente frio. Regresso ao barco porque, às três da manhã, teríamos de fazer trezentos quilómetros para sul, de autocarro, pelo deserto, até Abu Simbel. E valeu a pena porque os templos são magníficos na sua majestade exterior e na sua beleza pictórica e cromática interior. De Assuão até Luxor, o barco foi deslizando, parando em Kom-Ombo e Edfu, dois complexos religiosos fantásticos, onde os rostos dos deuses egípcios foram destruídos, a martelo e cinzel, por fanáticos religiosos, cristãos desta vez. Ou como se mudam as peças mas as regras do xadrez se mantêm…
Luxor foi a última etapa. Do lado direito do Nilo e da antiga Tebas ergue-se o mais fantástico templo de todo o Egipto: Karnak. Gigantesco. Esmagador. Só a sala hipostila, formada por uma floresta de 134 maciças colunas com mais de vinte metros de altura e quase cinco de diâmetro cada uma, vale a visita. Depois há obeliscos e estátuas em quantidade e grandiosidade suficientes para deixar estupefacto qualquer visitante. Perto, fica o templo de Luxor, mais pequeno, mas igualmente interessante, até pela fotogénica Avenida das Esfínges que lhe serve de acesso.
Na margem oposta, a atenção divide-se entre o imperial templo da rainha Hatsepshut, a primeira mulher-faraó, imenso e clara fonte de inspiração para algumas das construções desmedidas feitas em alguns estados totalitários do século XX, e o Vale dos Reis, repouso final de dezenas de faraós e de altos dignitários. Apenas meia-dúzia de túmulos podem ser visitados, sendo que alguns mergulham quase duzentos metros pela montanha adentro. Curiosamente, o mais famoso de todos, o de Tutankamon, é dos mais pequenos. Mas é também o que mais mexe com o imaginário dos visitantes, pelo que se tem de pagar bilhete extra para lá entrar. Mas vale a pena, porque além de belíssimo, estão lá o sarcófago e a múmia do faraó. Sempre me fascinou o relato da sua descoberta pelo que queria tirar todo o partido da visita. Lá encontrei meio de “influenciar” o guarda e consegui a lembrança fotográfica que tanto almejava. Do ponto de vista estritamente pessoal, esta curta visita de dez minutos valeu toda a viagem.
O Egipto actual está turisticamente vazio. Não há filas para aceder a museus e monumentos. Em vários locais, estivemos completamente sozinhos durante toda a visita. Os comerciantes chegaram a pedir-nos comida. Nas margens do Nilo, apodrecem barcos de cruzeiro às dezenas. Por isso, não deixou de ser simbolicamente irónico que a última visita fosse ao templo de Ramsesses, onde se encontra a cabeça gigante tombada de Ramsés II e que serviu de inspiração a Shelley para o poema “Ozymandias” (“Ramsés” em grego), sobre a efemeridade da existência, onde se conta que um viajante encontrou uma estátua dum faraó em que estava escrito “O meu nome é Ozymandias, rei dos reis, vede as minhas obras e a sua grandeza e chorai!”. Mas a estátua estava tombada e partida, e tudo o que a rodeava estava em ruínas… Uma metáfora da qual o Egipto tem necessidade urgente de sair.