“O Homem nasceu livre!”, ouve-se por aí, um pouco por todo o lado. Poucos saberão que se trata da frase inicial do livro “O Contrato Social”, de Jean-Jacques Rousseau, o filósofo iluminista cujo pensamento ainda hoje nos serve de referência. Todos parecem concordar com aquela máxima, mas a citação está incompleta e percebe-se porquê se a lermos na íntegra. É que o que Rousseau escreveu não é nada simpático: “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se acorrentado”. Daí ele ter concebido o tal “contrato social”, em moldes não de submissão do povo ao Estado, como Hobbes e Locke haviam proposto, mas antes de cooperação e associação. Ou seja, os valores emergentes do Iluminismo e da Revolução Francesa, a célebre tríade “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, seriam os princípios que guiariam o Homem e a Sociedade.
Estes valores espalharam-se por boa parte do Mundo e levaram à assimilação de conceitos que hoje damos por adquiridos, como a igualdade entre todos os homens, o direito universal de voto, a inviolabilidade da vida humana, o próprio conceito de democracia electiva como a conhecemos e muitos outros. E nasceram textos que consideramos basilares e estruturantes, desde as mais restritas Constituições de cada Estado aos de âmbito global, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Esta, no artigo 19º, proclama que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.”
Ora, este é um princípio que causa urticária nos regimes ditatoriais, incluindo aqueles que estão disfarçados de democracias. Nesses países, os meios de comunicação social estão absolutamente controlados pelo poder e só dão voz aos seus dirigentes. Quem ousar discordar das directivas do iluminado ditador ou da sua corte, arrisca-se a ir parar com os costados na cadeia ou, mais simplesmente, acaba com um tiro na nuca ou com uma injecção de veneno num braço. No entanto, todos eles refutam que haja qualquer violação do princípio de liberdade de expressão nos seus países, talvez porque levem a coisa à letra: “respeitar a ideias dos outros não implica respeitar o corpo dos outros…”
Naturalmente que vem isto a propósito do comportamento de quase todos os responsáveis políticos, incluindo os portugueses, que em matérias de Direitos Humanos têm a verticalidade dum bêbado à saída da tasca. Quando o regime é antagónico ao das suas ideias, bramam com a DUDH, usam expressões como “Crime contra a Humanidade” e outras excitações que passam muito bem na televisão. Mas já quando a violência tem como autores regimes amigos, refugiam-se em questões técnicas, alegando que não se deve interferir nas decisões dos Tribunais de países soberanos ou que “os cidadãos condenados já sabiam ao que iam quando abriram a boca”. É assim com todos os partidos do espectro político português, partilhando este “mérito” com os congéneres de todos os países.
Porque é que acontece isto? Porque ninguém está a pensar nas pessoas, mas na bolsa das pessoas. Os interesses económicos, agora como sempre, sobrepõe-se aos dos cidadãos que apenas têm a voz para se fazerem ouvir. Esta hipocrisia é precisamente o agrilhetar da liberdade de que falava Rousseau. Porque a verdade é que nem todos os homens são livres, nem todos têm a mesma igualdade de oportunidades e muito menos são todos irmãos. É certo que já foi pior, mas há, ainda, muito caminho a percorrer. Tenhamos esperança, porque valerá a pena. Parafraseando Aristófanes, citado por Platão, no “Banquete”, a implantação do amor entre os homens restabelecerá o nosso estado original, de perfeição, que curará a natureza humana e nos tornará verdadeiramente livres. Caminhemos, então.