Última hora

2016, ano de maré cheia

15 Janeiro 2016
2016, ano de maré cheia
Opinião
0

É caricaturalmente convencional, mesmo que convencionalmente pedagógico, educar o mundo nos valores fundamentais da convivência humana: a paz, o dia da árvore, o idílio dos namorados, o dia da mãe. As “Novas Invasões” da América do Norte encheram, depois, a Europa com outros produtos destilados da refinaria da “banha da cobra” e os valores veiculados pelo cristianismo foram, pouco a pouco, esvaziados do seu mistério. O “dia das bruxas” para roubar o culto aos mortos; o “Pai Natal” para esquecer o nascimento de Cristo. Oxalá que 2016 seja ano de maré cheia. Não de martírio, mas de teofanias luminosas que cheguem a toda a gente. 2016, ano dum mundo inteligente contra todas as subculturas, socialmente parasitas, politicamente racistas e anárquicas, religiosamente integristas e radicais.
Nem sempre “ano novo” é presságio de “vida nova”. Há retrocessos que fazem encolher o coração da humanidade. A vida biológica é prisioneira de estufa. Há morangos todo o ano. A vida sentimental é massacrante porque o amor é espasmódico. “Cada homem já não é uma raça porque se agravam as dívidas de uns aos outros” (Mia Couto). Contudo, 2016 será o ano de maré cheia com a celebração de dois aniversários homéricos. Há 400 anos morreu o dramaturgo Shakespeare e o escritor Miguel Cervantes. Dois imortais que tornaram o mundo e a vida das pessoas mais inteligente com a herança cultural que nos legaram. Um novo humanismo nasceu, rodando a história da Idade Média para a Moderna.
Estou em maré cheia ao reler Mia Couto, escritor existencialista que que pinta com realismo a vida contemporânea. No conto “O pescador cego” insinua uma fatalidade: “vivemos longe de nós, em distante fingimento. Desaparecemo-nos”. A incerteza de cada ano, chamado de “ano novo”, está no confronto entre a luz e as trevas. Vivemos atemorizados porque essa estrela de Belém parou sobre a gruta, onde terminou a sua função. Não passou para a dianteira do nosso caminho. Preferimos a escuridão, diz o escritor. No escuro costuramos melhor as marés lamacentas da nossa vazante. Votos de um luminoso e feliz ano novo para todos os leitores.

Pe. Bártolo Pereira