Avram Noam Chomsky, além de ativista, comentador, filósofo, cientista, inteligente, lúcido e inspirador, é também linguista. Considerado até o pai da linguística moderna. Chomsky, quando em Maio veio a Portugal, na sua entrevista à RTP, falou-nos de terrorismo e na forma como utilizamos a palavra para nos referirmos aos atos que os outros nos fazem a nós. Se por um lado o terrorismo é uma coisa concreta definida no direito internacional e em inúmeras Constituições, por outro, nós utilizamos a palavra para caracterizar a conduta dos outros quando essa nos ofende. Não passará pela cabeça da maioria dos americanos ou europeus apelidar de terrorista a invasão do Iraque que, segundo Chomsky (e não só), é o maior ato terrorista do último milénio com centenas de milhar de mortos, com 4 milhões de deslocados e 2 milhões de refugiados.
A Constituição foi feita para todos. Por todos. São regras. Não devemos alterá-la para que vá ao encontro do interesse de determinado governo. Aliás, essa deve ser a principal justificação para a sua existência. Os governos é que devem ter interesses que vão ao encontro da Constituição. Conviver com isso e sorrir. Devem perceber que a mesma que lhes deu a legitimidade para governar continua, felizmente, a funcionar.
À porta das escolas, há pais que, com pressa, param o carro no meio da estrada para resgatar os filhos da escola, impedindo o normal funcionamento do tráfego. Param o trânsito dos outros pais e dos outros automóveis que por azar calharam naquela rua. São o colesterol mau das artérias da cidade. São responsáveis por metade das buzinadelas, irritações e insultos que a cidade produz em dias úteis. No entanto, há um argumento, o instituto de línguas, a música, o balé, o regressar ao escritório, o tenho mais que fazer, não consigo chegar cedo, não estou para estacionar ou o meu filho não pode esperar. O canalizador que vai trocar a curva da banca da loiça que pinga, o par de namorados que quer ganhar tempo para dar beijos, o metro que tem que ser apanhado e a ambulância que nos socorre não entram na equação que decide parar à porta da escola. Mas devia. Pior. Isso não atenua sequer a relação que os paradores à porta da escola têm com os outros paradores. Não há uma solidariedade cúmplice entre paradores, e isso fica bem claro nas buzinadelas e gestos entre eles. O que os outros nos fazem sentir com atos iguais aos nossos devia funcionar como autoscopia. Mas não. Acreditamos mesmo que só nós temos argumentos válidos, e como tal, o comportamento dos outros não tem comparação possível com o nosso.
O que há em comum, nestas coisas com alcances tão diferentes? São coisas que me chateiam e partem do pressuposto que o que vem de nós é dotado de argumento, é válido e não é agressão em contraponto com o que os outros fazem. O que os outros fazem é irracional, injustificável e agressivo.
Seja por inspiração religiosa, politica, social ou cultural é importante que nos coloquemos no lugar do outro. Que tomemos consciência de que não vivemos numa torre de vigia donde vemos e não nos vêem. Se as injustiças existem, e são muitas, imaginem se as regras fossem diferentes para cada um.
Sermente in Um Problema Chamado Pessoas