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Histórias de quem faz a diferença na vida de um aluno no Dia Mundial do Professor

5 Outubro 2024
Histórias de quem faz a diferença na vida de um aluno no Dia Mundial do Professor
Cultura
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Dão explicações gratuitas, ajudam alunos durante as férias, contrariam casos de risco e abandono escolar e procuram o melhor caminho para cada jovem. São histórias de professores que transformam vidas e hoje é o seu dia.
As escolas portuguesas têm cerca de 140 mil professores, que têm como missão educar mais de um milhão de alunos. São vistos como uma classe envelhecida, desgastada e desmotivada, mas muitos continuam a trabalhar árdua e discretamente, não apenas para ensinar, mas, também, para tentar fazer a diferença, “nem que seja na vida de apenas um aluno”.
“Podemos ter razões para não estar contentes, mas quando estamos perante uma turma, deixamos os problemas do lado de fora da porta”, contou Clara Ferreira, de 51 anos, dos quais 30 a dar aulas.
Clara trocou uma carreira de Informática, em que “estaria a ganhar, pelo menos, três vezes mais”, pelo ensino mas não se arrepende. Já teve alunos de todas as idades, desde crianças do 1.º ciclo, a adolescentes do secundário e classes de idosos. As turmas de que mais gosta são as de ensino profissional, onde conhece jovens muitas vezes estigmatizados.
Esta professora já conseguiu contrariar destinos de jovens em risco de abandono escolar e apagou rótulos de alunos vistos como “mal comportados” ou “menos capazes”.
Foi o caso de João Rosado. Um aluno com dislexia e em risco de deixar de estudar que Clara percebeu ser apenas um menino “muito reservado” a precisar de um projeto que lhe mostrasse as suas capacidades.
A professora de Informática propôs-lhe que participasse num concurso nacional, a “Apps For Good”, em que os alunos criam uma aplicação digital. João envolveu-se no projeto e imaginou, com uma colega, uma “app” para fomentar a leitura de livros pelas crianças, através da realidade virtual que iria animar as imagens dos livros e fazer jogos sobre os seus conteúdos.
O menino que tinha abandonado o curso de Economia, ganhou o primeiro prémio e percebeu a importância de aprender Inglês para que a aplicação chegasse mais longe, Português para conseguir comunicar melhor a sua ideia ou Matemática. Tornou-se um bom aluno e conseguiu estagiar na Mercedes-Benz. Hoje é “data engineer” na BI4All.
Foi também através deste programa que Clara conheceu melhor um aluno ucraniano transferido de outra escola. Chegou ao liceu de Santarém carregado com “dois dossiers” repletos de relatos de mau comportamento.
“Batia em toda a gente”, recordou a professora, que iniciou com ele um projeto e rapidamente percebeu que ele não percebia a língua. Ajudou-o e ele aprendeu português, “tornou-se um exemplo de bom comportamento”, conta a professora, que acredita que, muitas vezes, estes miúdos “preferem ser bons malandros a maus alunos”.
Nídia Pereira tem hoje 28 anos e também foi aluna de Clara, a quem reconhece muitas qualidades: “existem professores que acreditam em nós e que valorizam o nosso trabalho”.
Nídia também esteve envolvida na criação de uma “app” e recorda o envolvimento da docente, que aproveitava as tardes livres para ajudar a equipa, mas também da professora Fátima Vasques, que deu explicações gratuitas e fora de horas a quem queria preparar-se para o exame nacional.
“Ela não era minha professora, mas disponibilizou-se para nos ajudar. Às vezes dava explicações na escola, outras na sua casa. Era onde calhasse e fez grande diferença”, contou a aluna que teve 16 valores no exame e entrou na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Hoje é sénior designer numa empresa em Frankfurt.
As histórias de docentes que abdicaram do seu tempo para ajudar alunos são muitas.
Navroop Singh nasceu na Índia e chegou a Portugal em 2019. “Tive os melhores professores do mundo. Nunca pensei que fossem assim, achava que davam as aulas e iam-se embora”, disse o adolescente.
Na lista dos que nunca irá esquecer estão a professora Silvina, de Português Língua Não Materna, e a de Programação, Elsa Ferreira.
A professora Silvina convidou-o para ajudar a criar uma aplicação, onde portugueses podem voluntariar-se para ajudar estrangeiros nas mais variadas tarefas, como tradução de documentos ou acompanhar ao médico.
“Durante o verão fazíamos chamadas por ‘teams’ e as professoras dedicaram-se muito tempo ao nosso projeto. Estávamos juntos das seis às oito da noite, três dias por semana”, recordou Navroop, explicando que a “Apps For Good” também lhe permitiu conhecer empresários da Microsoft e da Galp, que lhe “deram sugestões de como fazer a apresentação às empresas”.
A aplicação desenvolvida por uma equipa multicultural – além de Navroop, havia um aluno do Paquistão, do Bangladesh, da Venezuela e um português – ficou em 2.º lugar.
Numa década, só o programa Apps for Good envolveu mais de 28 mil alunos do 5.º ao 12.º anos e quase dois mil professores de 694 escolas.
Para o diretor do programa, João Baracho, o sucesso deste projeto educativo gratuito parte muito do empenho e dedicação dos professores.
Mas não existe apenas envolvimento em projetos extracurriculares. Navroop Singh contou que continua a falar com ex-professores do 10.º ano através de um grupo de Whastapp.
Nesse grupo está a professora Clara Ferreira que alerta para a quantidade de jovens que se sentem sozinhos. “Recebo muitas mensagens de alunos a quererem tirar duvidas, mas às vezes, só querem realmente ter com quem conversar. A vida das famílias é muito complicada e sem tempo para estar com os filhos”, lamentou.
Também foi a professora que arranjou o primeiro estágio a Navroop Singh: um trabalho de verão a fazer gráficos no jornal local. A experiência foi essencial para avançar com o seu projeto, que hoje tem milhares de seguidores, contou o rapaz de 17 anos.
Clara explica que são estes percursos de sucesso que fazem com que nunca se tenha arrependido de ter abandonado a carreira de Informática. Aos 51 anos garante manter a mesma paixão pelo ensino e continua a ver os professores como alguém com “responsabilidade de conseguir mudar uma vida para sempre”.