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Politólogos defendem que forma de apresentar valores de abstenção em eleições deve ser revista

29 Janeiro 2022
Politólogos defendem que forma de apresentar valores de abstenção em eleições deve ser revista
Política
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A forma como são apresentados os valores da participação nas eleições devia ser revista para que fosse tida em consideração a abstenção técnica, defendem os politólogos, que apontam “alguma inércia” nas alterações legislativas necessárias para combater este problema crescente.
As legislativas de 30 de janeiro decorrem de novo em cenário pandémico, um fator que de acordo com os politólogos aumenta a sua imprevisibilidade, incluindo em relação à abstenção, um fenómeno que tem aumentado em Portugal, e por isso, de acordo com João Cancela, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, “não poderá ser considerado surpreendente se estas forem as eleições legislativas menos participadas de sempre”.
De acordo com este especialista, o conceito de “abstenção real” (referente à ausência de participação de eleitores que poderiam efetivamente ter votado) – opõe-se ao da “abstenção técnica” (que são “inscrições espúrias” nos cadernos eleitorais), explicando que a parte mais significativa desta última é atualmente relativa a eleitores portugueses residentes no estrangeiro e não à manutenção nos cadernos eleitorais de pessoas já falecidas, “que se tem tornado mais residual desde as reformas no recenseamento em 2005”.
Não sendo possível quantificar com exatidão a abstenção técnica, João Cancela adianta que se pode “procurar uma aproximação através de indicadores alternativos como as Estimativas Anuais da População Residente ou os próprios Censos do INE”.
“Se tomarmos estas duas medidas alternativas como referência a partir das quais medimos o desvio entre os cadernos eleitorais e o número de referência, podemos estimar que a proporção de inscrições espúrias se situará algures entre os 5% (face aos Censos) e os 11% (face às estimativas da população residente)”, aponta.
Por isso mesmo, para o politólogo “é altura de rever o modo como são apresentados os valores da abstenção, ou pelo menos de complementar as metodologias clássicas com outras que permitam tomar em consideração a abstenção técnica”, propondo, por exemplo, apurar a taxa de participação entre os recenseados no território nacional e não a apresentar como um todo.
Também António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, considera ser preciso cuidado com a forma como se analisa e apresentam os dados comparativos da abstenção precisamente por causa da abstenção técnica, resultante do recenseamento automático e dos eleitores fantasma.
Apontando a falta de consenso político para encontrar soluções para ultrapassar o problema da abstenção – e para lá das discussões sobre voto obrigatório ou voto eletrónico -, o politólogo defende que poderia ser aumentado o período de votação para que os eleitores pudessem ir às urnas “durante dois ou três dias, com grande generalização do voto antecipado”.
“Existe alguma tendência para a inércia sobre o ponto de vista da alteração à legislação eleitoral”, aponta, subestimando o efeito pandemia nestas eleições.
Sobre os três fatores habitualmente associados à abstenção em Portugal, Costa Pinto elenca-os: menor participação junto dos setores da sociedade menos qualificados, a sensação que existe “o abstencionista ‘millennial’” e o facto de um sentimento ‘anti-partido’ maior gerar mais propensão para a abstenção.
Já André Azevedo Alves, do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, afirma que estas poderão ser “as eleições mais imprevisíveis desde que Portugal entrou na União Europeia”.
Com a pandemia a marcar ainda muito o contexto em que decorrem as eleições legislativas, o politólogo refere que tradicionalmente são os setores mais velhos os que mais votam e de forma mais estável, sendo precisamente estes onde pode haver maior desmobilização devido à Covid-19.
“Isso torna as eleições ainda mais imprevisíveis não só em termos de mobilização para o voto e para a abstenção, mas depois de quais podem ser os próprios padrões de voto de quem ainda assim for votar”, antecipa.
Escusando-se a dramatizar a questão da abstenção – relativamente alta em “democracias consolidadas em que não há uma polarização política extrema nem questões de regime em cima da mesa” -, André Azevedo Alves também defende que importa corrigir os aspetos da abstenção técnica “para se poder ter dados mais fiáveis”, propondo também soluções para que se tenha mais do que um dia para exercer o direito de voto e com horários mais alargados.