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Nacionais de ciclocrosse coroam em Santo Tirso heróis do ‘malho’ e da lama ao pedal

12 Janeiro 2022
Nacionais de ciclocrosse coroam em Santo Tirso heróis do ‘malho’ e da lama ao pedal
Desporto
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Os campeonatos nacionais de ciclocrosse coroaram no passado domingo, em Santo Tirso, os novos campeões de uma vertente do ciclismo que cativa cada vez mais praticantes, atraídos por lama, ‘malhos’ e pela adrenalina entre o BTT e a estrada.
No Parque Urbano Sara Moreira, naquele concelho do distrito do Porto, a pista que combina elementos de estrada com obstáculos, muita terra, e a imprevisibilidade da chuva e das quedas, recebia as pedaladas (ou as escaladas de bicicleta às costas) de mais de 200 ciclistas de vários escalões etários.
Na vertente, há quase um culto à chuva, que permite a lama e uma dificuldade acrescida, e os corajosos garantem sempre que a lama traz mais espetáculo, pela emoção das provas – e um pouco pela espetacularidade das muitas quedas.
À partida do pelotão feminino, há um ciclista enlameado que assiste, à chuva, à partida de uma colega com a mesma camisola da Proteu-Casa do Povo Retorta.
“É a minha esposa! Célia Bonjardim”, atira Mário Crujeira, garantindo desde logo que é um estreante que vem do atletismo e do ‘trail running’, porque gosta “de andar no meio da montanha”.
“Foi uma forma de introduzir o ciclismo e o ‘cross’”, diz. A modalidade, essa, resume-a com poucas palavras: “a aventura, o desafio, a adrenalina e a convivência”.
Está “a adorar” a experiência, até porque a lama já não lhe era “estranha”, mas ainda vai mais longe. “São os ‘tralhos’, andar aos trambolhões, dar ao pedal… O instinto da aventura. […] A minha esposa era lançadora de atletismo. Viu as minhas provas e sentiu-se motivada. Ela até tem mais hipóteses do que eu, porque há menos mulheres”, brinca.
Mesmo ainda “a lés” do que é o ciclocrosse ao mais alto nível, vê Portugal “no bom caminho”, mas pede “mais público e mais interesse” para uma vertente onde “há humildade, há carinho, um cai e o outro vai e ajuda”.
Aos 15 anos, a algarvia Raquel Dias (Extremosul/Hotel Alísios/Cenmais) já experimentou todo o tipo de vertentes, e chegou ao ciclocrosse em 2021, assume, porque sempre gostou “de treinar na lama, na terra, à aventura e na natureza”.
Com a olímpica Raquel Queirós, no ‘cross country’ olímpico, e a campeã nacional de elites Ana Mafalda Santos (X-Sauce) como ídolos, a recém-coroada vice-campeã nacional de cadetes destaca a vertente como trazendo uma aventura e uma exigência no “montar e desmontar, na transição entre obstáculos, e a andar com a bicicleta às costas”.
Antes de confirmar um novo título nacional de elite masculina, Mário Costa (Axpo/FirstBike Team/Vila do Conde), de 30 anos, viu o pai, com o mesmo nome, ganhar o bronze numa das categorias de veteranos, falando da ‘sua’ vertente, em que se vai aproximando de uma dezena de títulos nacionais, e que vive por estes dias um período em que se está “um bocadinho estagnado”.
“Falta melhorar muita coisa para termos um ciclocrosse melhor no futuro. Os prémios monetários têm de ser revistos urgentemente. […] Também devem ser mais distribuídos”, critica.
Para o ciclista, antes de se falar numa seleção nacional, é preciso “mais provas e com mais qualidade, mais bem pagas, e transmissões”, para permitir que atletas se dediquem a 100% à vertente.
O diretor da Federação Portuguesa de Ciclismo (FPC), Jorge Rocha, aponta um crescimento “ao longo dos últimos 10 anos da modalidade”, que embora seja antiga, esteve parada a certo ponto no país, para agora estar de novo em rota de recuperação.
“O ciclocrosse atravessa uma boa onda a nível internacional, com as Taças do Mundo e os campeonatos a serem transmitidos em direto na televisão. É muito importante. Não precisamos de criar nada, temos de seguir os bons exemplos e aproveitar as boas ondas”, comenta.
Segundo o dirigente, esta “boa dinâmica” vem de uma prática cada vez mais estabelecida na Europa, onde sempre foi popular, e noutras partes do globo, mas também pelo trabalho das ‘superestrelas’ do ciclismo Mathieu van der Poel e Wout van Aert, um neerlandês e um belga que parecem determinados a provar que conseguem ser campeões em todo o tipo de vertentes, e que têm na lama a rivalidade mais acesa entre si.
Nestes Nacionais de Santo Tirso – “hoje até temos chuva” -, surgiram mais de 200 inscritos, a prova com maior número de participantes nesta temporada, quando a média ciranda os 150 para as provas da Taça de Portugal, que terminam no próximo fim de semana, em Águeda.
Segundo Jorge Rocha, já para a próxima época, a Federação quer mais provas, ainda “em esboço”, sem que “para já se possa dizer mais nada”, e também já estuda a criação de uma seleção nacional, revela o selecionador Pedro Vigário.
O técnico define a vertente como “especial”, concordando que seria “de extrema justeza” que entrasse no programa olímpico, uma pretensão que em 2021 foi muito comentada e mesmo proposta pela União Ciclista Internacional (UCI).
Permitiria também “motivar os jovens à prática” mais consistente e a um programa de desenvolvimento, nesta que é uma vertente “extremamente espontânea”, na qual, reconhece, mesmo sem “apoios especiais à participação”, há muita entreajuda e uma organização “cada vez melhor” das equipas, que também beneficia o espetáculo.
“Isto puxa um bocadinho à criança que continuamos a ter dentro de nós. Esta oportunidade de andar a chafurdar na lama sem que nos ralhem, mesmo para os mais velhos, é extremamente divertido. O Tiago Machado, que esteve ao mais alto nível mundial, anda cá a divertir-se e a incentivar outros colegas a participar”, comenta o selecionador.
O corredor da Rádio Popular-Paredes-Boavista confirma que é para se divertir que pratica, e espalha a palavra da vertente, realçando que César Fonte (Kelly-Simoldes-UDO), outro inscrito nos Nacionais, experimentou a convite seu.
“Eu adoro BTT, e o ciclocrosse é o uníssono dos meus dois mundos [com o ciclismo de estrada]. É desfrutar e tentar cair o menos possível. […] Deviam pensar em vir aqui para a brincadeira, que isto é engraçado. Chega-se a casa com a canela pisada e é engraçado, é porque correu bem”, descreve.
O ciclista de Vila Nova de Famalicão, que realça o bom ambiente na comunidade, lamenta ainda que mais colegas do pelotão de estrada não se juntem, talvez porque, afirma, “só queiram competir para ganhar”, mas “o desporto não é isso”.
“Como eu vejo o desporto, é para unir culturas, unir raças, e para conviver, como aqui fazemos”, atira.
Antes de Tiago Machado se fazer à prova de elite, Mário Crujeira ficou em 20.º no ‘Masters’ 30, mas nem por isso saiu menos animado.
“Foi fantástico. Muita chuva, lama, ‘malhos’. É para cair, para ajudar, é a vida”, resume.