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Cineasta panamiana Ana Elena Tejera rodou “um filme da água” entre Vila do Conde e o Panamá

15 Outubro 2020
Cineasta panamiana Ana Elena Tejera rodou “um filme da água” entre Vila do Conde e o Panamá
Cultura
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A cineasta panamiana Ana Elena Tejera rodou “Panquiaco”, um “filme da água” sobre um conflito de identidade de um errante daquele país, entre o Panamá e Vila do Conde, tendo-o estreado nesta cidade do distrito do Porto.
A longa-metragem, a primeira da artista que trabalha também nos campos do teatro, da performance, da instalação e, com fundo académico, na psicologia, foi apresentada no festival Curtas, no âmbito do ciclo New Voices, dedicado a jovens cineastas.
“Panquiaco”, que concorreu numa das secções competitivas do festival de Roterdão, em janeiro, mistura documentário com ficção, ao contar a história de Cebaldo, um emigrante panamiano em Vila do Conde, um “errante estrangeiro sem rumo”, que já passara por muitos países e encontra, aqui, uma ligação ao seu passado e ao seu “conflito de identidade”, voltando ao Panamá.
Cebaldo de León, um imigrante em Portugal enquanto investigador universitário, encarna aqui alguém que se junta a pescadores em Vila do Conde, num filme onde água e conflitos de identidade são os temas dominantes.
“Não gosto de lhe chamar documentário, não penso nas etiquetas, é mais como uma performance, em que alguém se interpreta a si mesmo. O Cebaldo é uma personagem, e é igual se é um cenário de ficção ou documental, porque o conflito dele é real, isso é o que interessa”, explica Ana Elena Tejera.
O antropólogo interpreta, assim, uma versão de si mesmo que habitou “em muitos sítios, e nunca tinha pensado onde queria morrer”.
“Para mim, o mais importante era a água, o mar, uma relação próxima com o mar, dentro da ficção e desse conflito. No fim, é igual se ele mora nas Caxinas… Ele mora em Portugal, e vive já há 30 ou 40 anos em Portugal, mas o importante era que esse conflito tivesse uma ligação ao mar, justamente pelo mito que atravessa todo o filme, que é o de Panquiaco”, conta.
Panquiaco, na lenda da chegada espanhola àquele território da América Central, diz respeito a um indígena que se encontra com o espanhol Vasco Núñez de Balboa, mostrando-lhe o oceano Pacífico, acabando por se entregar às águas após o mar lhe perguntar: “Que me fizeste?”
“É um filme da água. (…) A água, para mim, é importante. Está ligada à memória e a algo que é muito vulnerável e muito forte ao mesmo tempo. Para mim, é chave no meu trabalho”, afirma Ana Elena Tejera.
A certo ponto, no filme, surge uma frase sobreposta às imagens: “O reflexo da alma habita na água”, que Tejera vê como aproximando os dois temas centrais.
“Sinto que tenho este conflito de identidade, de não saber de quem realmente sou. Essa busca sempre me gerou angústia, e o que me dá tranquilidade é quando consigo entender-me numa forma mais mística, como sermos uma pequena parte de uma energia muito maior, e é um pouco disso que fala essa frase. Panquiaco é esse conflito, que no fim termina na água, com o banho de Cebaldo. Que final? A combinação com a natureza, as plantas que falam, o animismo, e entender que é tudo mais complexo do que o ego humano”, explica a realizadora.
A ideia surgiu-lhe quando vivia em Barcelona e decorre de um pensamento sobre o Panamá, conta, que vê como “um lugar com dois mares”, dois oceanos – Atlântico e Pacífico -, mas “como que não tem uma identidade concreta”, com um canal a aproximar o território da ideia de “lugar de passagem, de muitas culturas”.
Uma antropóloga com quem trabalha apresentou-lhe Cebaldo, com quem começou a falar “por Facebook”, e, de uma ideia muito pessoal, o argumento ganhou uma vida diferente, mas mantendo as principais questões.
Filmado há pouco mais de dois anos, sobretudo em Vila do Conde e Póvoa de Varzim, Ana Elena Tejera conheceu “pescadores na lota de Vila do Conde”, com quem gravou e criou uma relação na rodagem que gerou, para o filme, uma “experiência bastante intuitiva e orgânica”, a espelhar a forma como encara o trabalho artístico.
Atualmente, Ana Elena Tejera vive em França, em residência artística no Le Fresnoy, onde tem trabalhado dois projetos diferentes ligados à própria família: uma “instalação-performance sobre os 30 anos da invasão dos Estados Unidos ao Panamá”, que quer apresentar pela Europa em 2021, e uma curta metragem rodada em solo panamiano sobre a ligação da família “à ditadura”, ao lado de uma performance sobre essa história familiar “e os militares”.
Pelo caminho, tem um “projeto mais comercial para televisão”, um documentário sobre o antigo futebolista Rommel Fernández (1966-1993), e a vontade de voltar a trabalhar em Portugal, “na área do som”, após a experiência de pós-produção de “Panquiaco”, mas também com “algumas ideias em Vila do Conde”.