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Quinta de Cavaleiros de Outeiro Maior de Vila do Conde presente em obras de Agustina Bessa-Luís

3 Junho 2019
Quinta de Cavaleiros de Outeiro Maior de Vila do Conde presente em obras de Agustina Bessa-Luís
Cultura
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A Quinta de Cavaleiros fica na freguesia de Outeiro Maior, do concelho de Vila do Conde. O edifício, agora em completa ruína, remonta a finais do século XVI, quando foi reconstruído em jeito de palácio. Este solar ergue-se na base da colina onde se assinala a citânia chamada Cividade de Bagunte.
“Eu vivi em muitos lugares, e de um deles tenho a ideia estranha de que lá vivi por necessidade da minha iniciação no fantástico. Era uma terra perdida, ao norte de Bagunte, nome já por si cancioneiro e razoável de eficácia romântica”, escreveu Agustina Bessa-Luís, em 1996.
“O Condestável (nome que Agustina Bessa-Luís dá à Quinta de Cavaleiros no romance “Antes do Degelo”) caia aos bocados e nada há lá que recorde os alegres gritos das crianças ao atirar-se no tanque onde corria uma bica de água, dia e noite. Era um canto de prata, como o estalido de um beijo. A grande nogueira morreu,” escreveu Agustina Bessa-Luís, em 2004.
“A Casa de Cavaleiros não era própria para tranquilizar ninguém. Tinha alçapões tanto nas salas como nos corredores e que comunicavam com as adegas e as cortes do gado. De noite e de dia ouviam-se os chifres dos bois bater no sobrado; como nos habituávamos àquilo, não tínhamos medo. O medo é uma questão de hábito, mas há quem não entenda assim”, escreveu Agustina Bessa-Luís, em “O Soldado Romano”, em 2007.
“…a estranha, arruinada, perdida casa de Cavaleiros…Não era uma casa de família. Pertencera ao antigo domínio dos Condes do mesmo nome, e, antes deles, ao Condestável Nun’Álvares. Por alturas do século XVI devia ter sido soberba com a grande varanda de seis colunas de pedra rematadas por capitéis de carrancas”, escreveu Agustina Bessa-Luís, em “Cividade”, em 2012.
“Quando chegou Setembro, naquele ano, a menina gorda que se chamava Dorinha convidou a prima para o resto das férias na Quinta. A quinta tinha sido comprada há pouco tempo, estava arrasada, cheia de cepas velhas, e ficava perto da vila, mas num buraco antigo onde outrora tinham pousado os Romanos ou Celtas ou gente assim. As duas primas acharam muito bom ir para lá, porque eram férias e enquanto eram férias era bom estar em qualquer parte, comer pão com manteiga, e brincar com bonecos de papel recortados e desenhados a tinta azul”, escreveu Agustina Bessa-Luís, em “Colar de Flores Bravias”, em 2013.
“O conto aqui publicado narra a aventura de passeios improvisados, em férias escolares de Setembro e na companhia duma prima convidada, através duma quinta próxima das ruínas romanas da Cividade, ao norte de Bagunte. Não está dito, mas a quinta, que pertencia aos pais da personagem Dorinha – e esta identifica-se, autobiograficamente, com a Autora – é a Quinta de Cavaleiros que mais tarde vai aparecer em várias obras de Agustina”, escreveu Alberto Luís, na introdução de “Colar de Flores Bravias”.
“Durante séculos, esta propriedade de raiz medieval foi o principal ponto de atenção da actual freguesia de Outeiro Maior, assim sintomaticamente designada pela relevância geográfica da elevação onde se implantou o paço. Apesar de não se ter ainda efectuado qualquer estudo arqueológico do local, a casa senhorial deve ter sido construída na Baixa Idade Média, discutindo-se se no século XIII, se no seguinte. A freguesia é referida nas Inquirições de 1220 e, mais de século e meio depois, em 1393, Estêvão Ferreira instituiu na propriedade dos Cavaleiros um morgado. A edificação original deve, portanto, situar-se entre estas duas datas. Uma tradição local refere ainda que a Casa ficou conhecida como “dos cavaleiros” por ter estado ligada aos Templários, informação que carece de confirmação documental.
O que hoje resta da propriedade resume-se a um amontoado de ruínas, que denunciam aparentemente duas épocas construtivas: a torre senhorial, de ascendência medieval e genericamente definida nos séculos XIII-XIV (com possíveis intervenções em Quatrocentos, altura em que o então proprietário, Martim Ferreira, terá efectuado obras) e a ala palaciana, edificada no século XVI e já adaptada a um figurino classicizante. Desta última época é a loggia que se abre para nascente e que se encontra suportada por colunata de mármore. A fachada principal, tratada com algum aparato cenográfico, incluía a capela do lado Norte (onde se exibe um retábulo de talha dourada já de transição para o neoclassicismo) e confrontava com um jardim que, por sua vez, fazia a transição para as habitações utilitárias de apoio à actividade agrícola da quinta.
A parcela mais antiga corresponde à torre senhorial baixo-medieval, estrutura de três andares acessível por modesta porta protegida por seteira. Em época posterior, criou-se um acesso exterior ao segundo piso, certamente quando a torre passou a desempenhar outras funções no complexo residencial.
Está-se, todavia, muito mal informado a respeito do conjunto. Não só escasseiam as informações cronológicas relativas à família Ferreira, protectora do vizinho Mosteiro da Junqueira, como se encontram longe de esclarecidos os níveis arqueológicos de povoamento da freguesia. Nas imediações consta que terá aparecido cerâmica romana descontextualizada, mas pouco mais se pode avançar neste momento na caracterização do que foi o paço dos Cavaleiros de Outeiro Maior”, destaca Paulo Fernandes, do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR).