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O pós-humanismo chegou à Escola?

3 Maio 2017
O pós-humanismo chegou à Escola?
Opinião
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O primeiro «Orçamento Participativo Escolar de Vila do Conde» foi a votos. Participaram 1234 alunos que puderam escolher entre vários projectos: material desportivo, computadores para a escola, viagens de estudo, renovação da biblioteca escolar, espectáculos cénicos e actividades de tempos livres. Contados os votos, a proposta vencedora foi a dos computadores, que arrasou com 705 votos, mais de metade de todos os expressos. Assim, as escolas vão ganhar novos equipamentos informáticos.
Os alunos ficaram contentes, naturalmente, mas nem todos os professores. Houve, até, quem lamentasse os parcos 51 votos obtidos pela proposta de renovação da biblioteca escolar. A verdade é que, com estas propostas, o resultado estava decido à partida. Era o mesmo que propor seis pratos para a ementa escolar, sendo cinco saudáveis e nutricionalmente recomendáveis mas o sexto era “hamburger com batata frita”. Resultado óbvio.
E isto acontece porque “os tempos estão a mudar”, para citar o mais recente Nobel da Literatura. Como é sabido, a geração actual não está vocacionada para o saber livresco. Morrem de tédio ao olhar para um livro. Precisam de energia, de movimento e de acção. Katherine Hayles, da Universidade da Califórnia, citada por António Guerreiro no ‘Público’, chamou a isto “hiperatenção”, por oposição à “atenção profunda”. Esta última é aquela que acontece quando nos dedicamos à leitura duma obra clássica, por exemplo, que exige reflexão, concentração e silêncio. Pelo contrário, o processo dinâmico e de múltiplas fontes de informação quase imediatas, provoca a hiperatenção. Onde é que fica a educação? Presa ao passado livresco ou actualiza-se para as dinâmicas auto-estradas de informação? A questão é tão pertinente que, a mesma autora, na dobragem do século, havia concebido uma nova teoria, a do pós-humanismo. É aquela realidade em que a parte física do ser humano já quase só é um meio de transporte para a parte imaterial, a mente, que até poderá, um dia, ser descarregada para computadores, assim garantindo a imortalidade do indivíduo. Nesse dia, o conceito de ser humano deixará de ser biológico. Quem já leu autores como William Gibson ou Philip K. Dick é familiar com o conceito em causa, o de ciberorganismo.
Mas este futuro, a alguma vez existir, ainda virá longe. Voltando a Vila do Conde, o que temos, isso sim, é não só um choque educacional como, até, um choque cultural. Eu também ficaria muito mais contente se os alunos tivessem escolhido os livros em vez dos computadores. Mas a verdade é que este começa a não ser o meu tempo. Porque este é o tempo do computador não é o tempo do livro. Ainda há pouco lia a notícia de que Agustina Bessa Luís tinha sido retirada das livrarias. Não vendia. A obra da autora de “A Síbila”, uma escritora que exige a tal “atenção profunda”, é hoje um objecto anacrónico, reservado a quem se preocupa com a literatura e a mais uns quantos curiosos. As livrarias têm vindo a fechar na razão inversa da explosão informática. E não vale a pena ficar a lamentar, porque isso é morrer. O filósofo francês Luc Ferry escreveu uma obra fundamental para a compreensão desta mudança de paradigma. Chama-se “A Revolução Transhumanista” onde claramente estabelece que “não se pode compreender nada actualmente, passando ao lado das revoluções tecnológicas”.
Há uns tempos, o filho duns amigos questionava o porquê de ler livros, se bastava perguntar ao Google que “sabia” tudo. Respondi-lhe: “deves ler livros precisamente para saberes fazer-lhe as perguntas”. É aqui que está a solução do aparente paradoxo, num meio-termo que encarna a tolerância e respeita as diferenças. Porque a informática é, sem dúvida, a principal ferramenta contemporânea. Mas o tempo para pensar é aquilo que precisamente a faz funcionar. Perder a noção disso, é caminhar para a desumanidade. E, isso, nem nos livro de ficção científica é bonito.

Pedro Brás Marques