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A Virtude e o Vício

2 Fevereiro 2017
A Virtude e o Vício
Opinião
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“Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais para protestar.”
Este famoso poema do pastor alemão Martin Niemöller mostra como a nossa passividade pode ter custos elevados, até para nós próprios. Não é por encolhermos os ombros, virarmos a cara, fecharmos os olhos que os problemas se resolvem. É realmente alarmante constatar que o egoísmo leve a que olhemos para a realidade através dos olhos da nossa consabida e consagrada omnisciência, analisando o Mundo numa clara e simples dicotomia: AN e DN – “antes do meu nascimento” e “depois do meu nascimento”. Os primeiros estão relatados nos livros de História e não se repetirão porque “já passaram” enquanto os segundos foram presenciados, pelo que há a sustentadíssima e avalizadíssima opinião própria. Mas não pode ser assim, pois não?
Vem isto a propósito, obviamente, da emergência de líderes populistas um pouco por todo o mundo ocidental, com discursos manipuladores, apelando à emoção e não à razão e defendendo políticas totalitárias de exclusão. Portugal tem passado um pouco ao lado do problema, mas não há imunidade face a este vírus. Significa apenas que temos de estar em alerta máximo, porque pode chegar a altura em que “não há mais ninguém para protestar”. E o mais grave é que aquilo em quem nós mais confiamos, o voto democrático, é precisamente a fonte do problema.
De quase tudo podemos fazer um uso certo ou errado. É uma questão de consciência. Quem usa a caneta e o papel para escrever textos que contribuem para o engrandecimento de todos, está a usar de forma virtuosa tais objectos. Se os usa para incitar o ódio e o rancor, estará a deixar-se comandar pelo vício nascido na escuridão. A nossa liberdade de voto não está desenlaçada deste problema. Confiámos em que “a voz do Povo é a voz de Deus” mas a verdade é que quem por ali anda é o Diabo, disfarçado, pasme-se, de Salvador… Porque estes novos emancipadores não discursam para os eleitores esclarecidos. Falam para o homem comum, aquele que mais precisa da receita que eles apregoam: a esperança numa vida melhor. Eles usam as regras do jogo, falseando a tomada de decisão dos eleitores. Na “República”, Platão já alertava que a Democracia era fantástica “mas a Tirania provavelmente nasceria dela”, precisamente pela desvirtuação desse poder e dessa liberdade que o voto concede. Convirá talvez relembrar que Adolf Hitler, por exemplo, subiu ao poder através de eleições livres… O perigo está precisamente aí, em permitir, pelas nossas escolhas colectivas, que votar se torne num exercício viciado quando deveria ser exaltado como uma virtude. Por isso, não se pode ficar calado, não se pode conceder, não se pode ficar confortavelmente no sofá com a desculpa que isto só acontece aos outros. É verdade, mas só até ao dia em que nos batem à porta.

Pedro Brás Marques