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Crimes com perdão

17 Novembro 2016
Crimes com perdão
Opinião
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Neste ano em que o Papa Francisco se esforça para explicar o perdão e a misericórdia, atitude e sacramento, faz todo o sentido, cultural e moral, lembrar uma absolvição acontecida há 155 anos. O Papa Francisco é católico.
Ana Plácido e Camilo Castelo Branco deram o nó definitivamente em 1859. Perseguidos pela justiça, os dois amantes andaram fugidos até ao dia em que, foram parar à cadeia da Relação do Porto. O romancista viveu no cárcere 364 dias e aí deu à luz três belíssimas novelas: “Amor de Perdição”, “O Romance de um Homem Rico” e “Doze casamentos felizes”. O pecado que Camilo cometeu há 155 anos e que fez cair o “Carmo e a Trindade”, hoje tem a carinhosa e paterna compreensão do Papa Francisco. O Papa é católico, sublinho. O Catolicismo é uma religião, dogma e moral, de fidelidades e rigores, de paixões e perdão. É uma religião como as pessoas. Poderíamos ir às cartilhas buscar razões para esta crónica da infidelidade amorosa entre duas pessoas. As cartilhas das religiões têm receitas para todas as imoralidades cometidas. Talvez, o romance, parido na cadeia, “Amor de Perdição”, nos dê explicações para “as horas da graça e da desgraça”, na frase que Camilo resumiu assim: “amou, perdeu-se e morreu amando”. Camilo Castelo Branco é um mestre em literatura. Nunca deixa escapar o realismo caricatural, a ironia comunicativa e a sua literatura é povoada de muitas atribulações. É verdade! Escreveu um dia com muita lucidez: “ Viver é expiar o pecado de termos nascido”.
Não quero ofender a igreja, menos ainda os que a ela se dedicam no sacerdócio. Faço parte desse grupo que, vezes sem conta, cai na tentação de pensar que o perdão se esgota numa atitude oca de figuração filantrópica. O perdão é um gesto de Deus que sai do coração do homem. Seja o homem capaz de servir de instrumento a esse gesto, ponto de encontro entre Criatura e Criador. Assim, todo o crime tem perdão se o coração dita as razões do arrependimento à Razão.

Pe. Bártolo Pereira