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Não deixemos morrer a nossa criança interior

1 Junho 2016
Não deixemos morrer a nossa criança interior
Opinião
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Pertenço à última geração a jogar à macaca. Isto agora é mais uma macacada. Do “bate o pé” apenas ficou o bate. Ou então bate-lhe com o pé.
Saltar à corda pulou para a geração das crianças adultas Fit, porque é das atividades que desgasta mais energia. Trocamos o “elástico” pelo plástico para construir as consolas e tablets que consolam os miúdos.
Dos berlindes só restam mesmo as bolas de Berlim que contribuem para os crescentes números da obesidade infantil e quando há uma aula de educação física parecem abafas. Recordo-me que poucos miúdos na minha infância eram gordos. Nós não parávamos. Só para dormir. Todos os momentos livres induziam sempre em gastos energéticos brutais. Tudo implicava um esforço físico. Atualmente, o gasto energético reflete-se na conta da luz pelo aumento na utilização de equipamentos acessíveis às plataformas digitais. Já que falamos em gastos, podemos também incrementar os nossos encargos com manipulados dirigidos ao tratamento da hiperatividade das crianças. Que manipulação. Que má gestão. Que preguiça cerebral. Gastamos dinheiro em equipamentos, os miúdos deixam de brincar, acumulam a energia que usualmente já consomem em excesso, chegam às aulas carregados de atividade e se falam para o lado mais que 3 vezes (quem não não fez isso n vezes) os pais são imediatamente recomendados a consultar um psicólogo que posteriormente prescreve os placebos. O problema de tudo isto é a não brincadeira. Cansemos os miúdos, por favor.
Até para comunicarem uns com os outros os miúdos nem precisam de mexer os maxilares. Riem-se com o cérebro. Beijam-se virtualmente. Expressam-se com cliques e likes e cenas. Ao menos não fazem teatrinhos nos restaurantes e não desarrumam a casa. Os pais têm mais que fazer do que explicar aos filhos o que era uma disquete ou um walkman: “Não é do teu tempo. Vai pesquisar ao Google se quiseres saber.”
As calças rasgavam-se de tanto uso. Mas como agora não têm utilidade, já são vendidas rasgadas para manter a tradição. Afinal para se ser youtuber até dá alguma pinta.
Não imaginam a minha felicidade quando gravamos o episódio do Masterchef Kids, recentemente. Ver centenas de miúdos com gosto pela culinária deixou-me, por momentos, bem mais tranquila. É tão bom saber que ainda existem seres humanos com menos de 12 anos que gostam de se mexer, de arregaçar as mangas, de elaborar trabalhos manuais. Parabéns a todos os mini-participantes e sobretudo aos respetivos pais que alimentaram esta excelente iniciativa dos seus filhos.
Hoje é Dia Mundial da Criança, mas aposto que verei mais imagens dos filhos no feed de notícias do que crianças na rua ou no parque infantil. Provavelmente deveria passar a chamar-se “Dia Virtual da Criança”.
Sou eternamente grata por ter nascido antes de 2000. Por ter tido uma infância inacreditavelmente feliz.
Guardo muitas memórias, maioritariamente daquelas boas que confortam só num leve pensamento.
Por tudo isto brinquem muito. A vida toda. Com(o) miúdos. Com(o) graúdos.

Ana Rita Costa