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A inJustiça

3 Junho 2016
A inJustiça
Opinião
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João Relaxado é um discreto vilacondense, pouco habituado a resolver em Tribunal as confusões que se lhe atravessam na vida. Mas, um dia, resolveu limpar o pó aos problemas que se arrastavam em sua casa e na pequena empresa que, com dificuldade, lá ia gerindo. Reuniu a papelada e foi falar com o seu advogado, José Legalista, com escritório na sede do concelho.
Ali chegado, explicou ao que vinha. Tinha um problema com um vizinho que cismava que a linha divisória que separava os quintais estava errada e passava a vida a mudar a cerca; tinha um trabalhador que fora despedido por faltas, mas resolvera ir para Tribunal e, agora, era preciso contestar o pedido dele; um cliente que não pagava as facturas em atraso e outro que tinha deixado vencer uma letra de câmbio; um devedor relapso que era melhor apresentá-lo à falência; os sogros tinham morrido e a mulher e os cunhados não se entendiam, pelo que ela queria “abrir partilhas”; e para finalizar, a sua casa tinha sido assaltada, com arrombamento, mas os ladrões já tinham sido apanhados e seguia-se o julgamento. José Legalista respirou fundo, ofereceu um copo de água e sugeriu uma aspirina a João Relaxado.
Comunicou-lhe, então, o que se iria passar com cada processo e, mais exactamente, onde é que tudo aconteceria: o da disputa da cerca iria correr no Tribunal da Póvoa de Varzim; o do trabalhador, em Matosinhos; o das facturas, na terra do devedor; o da letra, no Porto; o da falência, em Santo Tirso; o inventário, no Cartório Notarial; o do assalto, em Vila do Conde, mas a funcionar no Tribunal de Matosinhos. Por um momento, João Relaxado achou que era melhor mudar de nome.
Isto não é ficção. É mesmo assim e ainda se poderia fazer mais dois ou três exercícios jurisdicionais mas já se percebe o quadro. Após a recente reforma judicial, levada a cabo pelo pior titular da Justiça de que há memória, a senhora Ministra Paula Teixeira da Cruz, tudo o que é Tribunal ficou disperso, pulverizado, sem qualquer critério racional explicativo e, muito menos, levando em conta os verdadeiros destinatários da Justiça, os cidadãos. E se, para João Relaxado, a situação era desconfortável, a verdade é que ele está sempre a um máximo de 25 km ou meia-hora de cada um dos Tribunais para onde iriam peregrinar os seus processos. Porque quando se avança para o interior, as distâncias, horárias e quilométricas, disparam. Muitos ficam a horas de viagem e nem sequer há ligação de transportes directa entre o município de residência e o outro, onde está a sede do Tribunal.
A situação é patética, e esperava-se que o novo Governo, num assomo de clarividência, a viesse corrigir. Foi, portanto, com natural curiosidade que ouvi a senhora Ministra Van Dunen anunciar a ansiada inversão de marcha: vinte Tribunais iriam reabrir! “Óptimo”, pensei. Mas, claro, por defeito profissional, lá fui ler “as letras pequeninas”: “Tribunais reabrirão com apenas um funcionário e sem juiz residente”.
“Um funcionário e sem juiz residente!”… O problema, aqui, já não é só de incompetência, mas passa a ser outro: o de falta de seriedade. Porque uma coisa é prejudicar os cidadãos, outra é chamar-lhes burros!…

Pedro Brás Marques