Última hora

Prince

30 Abril 2016
Prince
Opinião
0

«Sometimes it snows in April». «Às vezes, neva em Abril». Uma belíssima canção de Prince que se tornou premonitória com a sua inimaginável morte. Fui e sou um fã devoto e fervoroso.
Junho de 1984. Qualquer Junho é fantástico para mim, em especial o dia 13, mas o desse ano foi estruturante na minha vida. Foi nesse mês que saíram dois álbuns que se tornariam nas duas colunas sobre as quais iria erguer o meu templo musical. Nos primeiros dias saiu “Born in the USA” de Bruce Springsteen & The E-Street Band e, mais para o final, apareceria “Purple Rain”, de Prince. Já conhecia os intérpretes mas foi ali, nesse distante mês, que a faísca riscou a escuridão.
Hoje não é dia para falar do génio de New Jersey, mas apenas do de Minneapolis. Na verdade, mais do que o “Boss”, Prince foi a minha primeira paixão. Absolutamente arrebatado pela banda sonora do filme homónimo (a única coisa medíocre que lhe consigo atribuir) não descansei enquanto não arranjei toda a discografia anterior. Depois, foi esperar pela saída de novos trabalhos o que, dada a prodigalidade criativa de Prince, foi fácil. Logo apareceu o alegre “Around the World in a Day”, o sofisticado “Parade”, o incrível “Sign o’ the Times”, “Lovesexy” com a sua única faixa com quarenta e tal minutos, a banda sonora de “Batman”, “Grafitti Bridge” e aquela que considero a sua última grande obra, “Diamonds and Pearls”. Tudo em apenas nove anos! Quantos não conseguem esta qualidade numa carreira de décadas e Prince conseguiu-o em menos do que uma!
Foi uma época onde comprei de tudo. Cheguei a importar vídeos da Holanda e “discos pirata” da Alemanha, com gravações únicas. Adquiri em Nova Iorque o seu pioneiro jogo de computador. Paguei uma pequena fortuna pelo então “Santo Graal” da pirataria, o “Black Album”. O meu deslumbramento era total!… Só faltava vê-lo ao vivo. Aconteceu já em 1993, no antigo Estádio de Alvalade. Graças à minha mulher, conseguimos ir para a zona reservada e fiquei pertinho dele. Lamentavelmente, o concerto foi fraco. Músicas interrompidas, abandonos de palco, enfim, o menino-mimado que todos os fãs conheciam. Para ser sincero, por aquela altura já começava a ficar um pouco cansado da sua “overdose” criativa e dos incessantes lançamentos. Seguiu-se a fase das guerras com a editora Warner, as mudanças de nome, as quezílias consecutivas e a minha paciência a esgotar-se… Continuei a comprar os discos, mas já não era a mesma coisa.
Miles Davis dizia que Prince era o futuro da música, “um tipo que adormecia e acordava a pensar em ritmos ou a fazer amor” (cito de memória)… De facto, há coisas inesquecíveis: do longo e lancinante riff de guitarra em “Purple Rain” até à imparável batida de “Let’s go Crazy”, dos alertas de “Sign o’ the Times” ao delicioso e maldoso trocadilho de “Little Red Corvette”, sem esquecer o trepidante «hino do milénio», “1999”, o seu legado é um mar de extraordinárias canções. O sufocante tom sensual das suas composições, as parcerias lascivas com Sheena Easton e Sheila E., as danças eróticas com Maitê Garcia, sua futura mulher, tudo, mas mesmo tudo eram ingredientes de um trabalho notável, imortal e intemporal que ele soube construir e com o qual conquistou o mundo. E ainda teve tempo para partilhar canções com muita gente, como o “I feel for you” de Chaka Khan ou “Nothing Compares to you” na voz de Sinead O’Connor. E não esquecer o piscar-de-olhos ao seu discípulo português, Pedro Abrunhosa e, claro, a Ana Moura.
A notícia do seu desaparecimento entristeceu-me. Tinha uma enorme admiração por ele, pelo seu génio criativo, pela sua versatilidade enquanto executante, pela companhia que me fez… Foram tantas as suas músicas que entraram directamente para a banda sonora da minha vida que até me custa acreditar…
É verdade, “Sometimes it snows in April”…

Pedro Brás Marques