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A alegria do Amor

27 Abril 2016
A alegria do Amor
Opinião
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Concluído o Sínodo dos Bispos sobre a família, depois de diversos pareceres e opiniões, o Papa Francisco apresentou uma Exortação Apostólica – “A Alegria do Amor” –, rasgando novos horizontes para as famílias e para a Igreja, sem esfarrapar a doutrina católica, num profundo respeito pela alegria do Evangelho, boa notícia trazida por Jesus à Humanidade periférica.
Da minha leitura pretendo fazer uma recensão crítica de valorização da obra em questão, apontando os temas chave, fazendo-o segundo os critérios previstos para este tipo de análise/síntese.
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia trata-se de um documento com IX capítulos, abrindo, necessariamente, à luz da Palavra, para que depois, de coração iluminado, se possam perceber as realidades e os desafios das famílias do século XXI que não podem deixar de fitar os olhos em Jesus, descobrindo a vocação familiar no Sacramento do Matrimónio, desfrutando-o com amor, paciência, atitude de serviço e amabilidade. No Matrimónio não há espaço para a arrogância, para a inveja ou para o orgulho. Porque o amor, se verdadeiro, desculpa, confia, espera, suporta, perdoa e alegra-se com os outros. A família matrimonial vive em plenitude, sendo tudo em comum, alegria e tristeza, saúde e doença. Dialoga e manifesta o amor, num mundo de emoções que não se apaga nem se esgota no erotismo.
O Papa Francisco reflete o quanto é importante casar por amor. Um amor tão decidido e generoso que é capaz de arriscar o futuro no acolhimento de uma vida nova e geradora de novas vidas pela experiência da gravidez fecunda que possibilita o sentido de família alargada e ampla: alargada no amor de ser pai e mãe; ampla na ligação do não deixar de ser filho, neto, irmão, genro ou nora. Primo, parente ou vizinho. A família é um coração grande onde todos têm que ter lugar para viver.
A Igreja não poderá ser, somente, companheira na preparação da celebração matrimonial. Deverá, também, cuidar a pequenina semente que vai germinando na pós-celebração. Os primeiros anos de vida matrimonial requerem cuidados redobrados, sabendo-se que o matrimónio não pode entender-se como um processo acabado e que, por vezes, é celebrado com presunções demasiadamente edílicas, pouco terrenas e humanas. Por isso, o acompanhamento deve ser atento e encorajador, iluminando as crises, angústias e dificuldades, ajudando, assim, o casal a viver a unidade e a felicidade de uma maneira nova e potencializadora do envelhecimento do vinho novo do noivado que se purifica nas feridas saradas e nas crises vencidas. O acompanhamento deve prevalecer, acima de tudo, quando as situações dilacerantes são demasiadamente complexas, como o divórcio ou a morte.
É indispensável acompanhar pastoralmente os separados, os divorciados e os abandonados, pelo que a igreja tem que acolher e valorizar sobretudo aqueles que sofrem estas injustiças.
Constata-se que os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias. Os seminaristas deviam ter acesso a uma formação interdisciplinar mais ampla sobre o namoro e matrimónio, permitindo-lhes também a eles desenvolver o seu mundo psicoafectivo, sendo que, tantas vezes, carregam a experiência da sua própria família ferida. Não obstante, às pessoas divorciadas que vivem numa nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja e não estão amaldiçoadas. A Igreja não pode cessar de ser a voz dos mais frágeis, particularmente dos filhos que sofrem, tantas vezes, em silêncio.
Na família devemo-nos questionar sobre o papel dos filhos, o lugar que eles ocupam e qual o modo usado pelos pais para a transmissão de normas e valores.
Não escamoteando o valor e o papel da escola, a família tem uma função primordial na formação moral dos filhos. Algo que não pode ser totalmente delegado, pois os pais devem dizer pela palavra e pela ação o quanto os filhos são importantes, amados e merecedores de todo o afeto, que pode passar por uma atitude sancionatória diante de alguns comportamentos antissociais. A pedagogia educativa da família deve estar impregnada de realismo paciente, assumindo-se como a primeira escola dos valores humanos onde se aprende o bom uso da liberdade na racionalização da “casa comum” em todas as suas vertentes, inclusive da educação sexual que deve ser absorvida pelo exemplo dos pais como sinal de um compromisso totalizante e não meramente numa enérgica instrução para sexo seguro.
A família é transmissora da fé e deve comunicar esse legado sem recurso a receitas ou imposições. As crianças necessitam de símbolos e gestos propostos e vividos de forma livre e salutar, carregados de espiritualidade de comunhão, de amor exclusivo e libertador que encontra na oração umbilicalidade que liga a Cristo, centro que unifica e santifica a Igreja doméstica.
A santificação da vida doméstica passa, irremediavelmente, pelo exercício da espiritualidade da solicitude, consolação e do estímulo. Isto significa que a família, convidada por Deus a gerar e cuidar, foi, e terá que ser sempre, o hospital mais próximo onde se cuidam as feridas. Apoiam-se e estimulam-se os quebrantados. Escreve-se com um dedo de amor na narrativa do outro.
Todas estas recomendações não podem ser epidérmicas na vida das paróquias e na ação pastoral. A Igreja, por vezes, prega sobre a família, mas é sinal de contradição, contentando-se com um anúncio puramente teórico e desligado dos problemas reais das pessoas.
Na ação pastoral, as paróquias não podem esquecer a complexa realidade social em que os noivos se encontram inseridos. Por isso, os pastores devem orientar por caminho seguro os que andam ofuscados pela bruma dessacralizada. Não com a presunção de lhes ministrar todo o catecismo, nem de os saturar com demasiados temas. Outro sim, de os acompanhar numa preparação próxima para o Sacramento que os lança para diante, com a decisão firme e realista de atravessarem juntos todas as provações, onde não deverá faltar uma pastoral matrimonial capaz de ajudar a superar momentos duros.
Em suma, a alegria do amor só é possível quando todos os membros da família, de sangue, afeto ou fé, se encontram e enovelam numa espiral progressiva de superação das imperfeições visando o amadurecimento da capacidade de amar.

Pe. Paulo César, Prior de Vila do Conde