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Crónica de sonho de um sonhador crónico

17 Março 2016
Crónica de sonho de um sonhador crónico
Opinião
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Cá na Vila temos a mania que temos graça. E temos. Ninguém diz que está frio. Dizemos que está um calor esquisito e que o frio é psicológico. Cá na Vila, as expressões são rotina e sinalizadoras da nossa origem. Há excepções, é certo, como o “tudo de bom” que anda na boca de toda a gente e que resulta da simplificação do “desejo­-lhe que tudo corra bem” ou do “o que eu lhe desejo são as maiores felicidades”. O “tudo de bom” começou por ser usado por aquelas pessoas que não conseguiam dizer nenhuma destas frases inteiras mas o minimalismo e a abrangência do “tudo de bom” vingou que nem dj’s. Mas estava eu a dizer que as expressões denunciam a nossa origem enquanto tribo geográfica. Dá até, muita das vezes, para distinguir os aldeãos dos urbanos e o nosso percurso profissional. Cá na Vila, nós gostamos mesmo é de frases feitas, os habituais ditados populares. Por exemplo, quando alguém diz que a Câmara Municipal é “mais do mesmo”, é muito frequente alguém responder “não cuspo no prato que comi”. Já na aldeia a resposta seria “tá pra Póvoa” no caso de concordar ou “vai-me à venda” discordando. Só na aldeia é que se diz “tá pra Póvoa” e “bota pra Tougues”. Ao contrário do que os citadinos imaginam, “já vinhas”, “vinhas ontem” ou “já foste”, que são expressões de vileiros que pretendem passar por aldeões ou até gozar com eles, só os identifica como vileiros que nunca tomaram café na margem sul. Margem sul que, à semelhança das famosas margens sul, é donde vêm os verdadeiros criadores de expressões, os expressionistas. No centro da cidade o “nem é bom” e o “agora pensa” anunciam vileiros de gema. Aqueles para quem a vida não é nada clara. É mesmo só gema. Isto das expressões também nos marca temporalmente. O “méu”, o “piu” e o “deixa lá isso” marcam gerações, por exemplo. Há, ainda assim, a máxima que conduz este concelho em uníssono. Todos a conhecem e ela rege­-nos desde o 25 de Abril. “Distribuir o mal pelas aldeias” é a expressão com mais resistência cá pelas nossas bandas, o que de certa forma começa a chatear, “tipo”, pela cidade é que o mal não fica. Excepto nas Caxinas. Lá pode haver alguns males que os “primaços” aguentam. Curiosamente, nas Caxinas também há expressionistas. As expressões não têm um autor reconhecido porque uma expressão só o é quando é dita por muitas pessoas. Elas resultam duma concordância mesmo que inconsciente. Vox Pop dirão os vileiros que querem parecer do Porto ou “cenas top” como dirão os aldeãos que querem parecer da Vila. É por isso que elas são mágicas. Elas são as vencedoras de milhares que não medraram. E “prontos”, eu falo assim porque “medo e dinheiro foi coisa que nunca tive” e “um home é um home e o gato é um bicho” por isso “vai e anda que ainda me apanhas aqui” “que é por causa do cheiro das tintas”.

Sermente in Dá-­lhe canha, velhote!