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O fim do homem Soviético

17 Dezembro 2015
O fim do homem Soviético
Opinião
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Um romance apaixonante e uma publicação oportuna, no contexto do Prémio Nobel da Literatura atribuído à jornalista Svetlana Aleksievitch, autora do livro “O fim do homem Soviético”. Esta destemida mulher é uma voz crítica da Rússia de Estaline e Putin.
A União Soviética na sua fase gloriosa coloca o homem concreto ao serviço da colectividade. O cidadão exemplar é aquele que usa e vigia a sociedade como propriedade sua. Na fase decadente, depois de 1950, renasce o “homem-herói”, despersonalizado e burocrata. Nesta fase, a liberdade da pessoa dá lugar à cega obediência aos mecanismos do Estado. Curiosamente, do outro lado do Atlântico, nasce o “Cowboy”, o homem que resolve e tonifica a sociedade. Aposta nas virtualidades pessoais e nunca no manancial da colectividade.
A mensagem do romance, “o fim do homem Soviético”, vai ao encontro de todos os sobressaltos da história contemporânea, feita de “amores fecundos e lutas mortíferas”. O século vinte e um foi um “primor”: o mais sangrento desde que há história humana, com duas grandes guerras; a conquista da Lua com o pouso dum terráqueo; as mudanças do curso da história com os colectivismos totalitários. E, por fim, a revolução cibernética com todas as técnicas de controlo dos autómatos modernos e conexões nervosas com implicação nos organismos vivos. Um fresco de consequências perturbadoras na construção genética dum “tipo de homem novo”.
A priori, o “Homo-Sovieticus” é o produto dum regime que não foi propriamente de “amores fecundos”. A Rússia de Lenine e Estaline caiu, mas deixou saudade numa nova geração que anseia hoje restaurar o perfil heróico do passado. Svetlana Aleksievitch “reinventa, nesse magífico réquiem”, o enredo do seu romance, dando voz a todas as testemunhas, a fim de manter viva a memória da tragédia e da grande utopia do homem e da mulher pos-soviéticos: os humilhados e desiludidos, os perseguidos e demais vítimas de todas as “lutas mortíferas” que periodicamente fazem sangrar a história da humanidade. O romance que venceu em França o prémio Médicis revisita um “tempo de profundo desencanto.”

Pe. Bártolo Pereira