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O ano das farpas

12 Novembro 2015
O ano das farpas
Opinião
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Estamos no ano das “Farpas”. Uma publicação satírica, de crítica a comportamentos sociais e políticos que Eça e Ramalho Ortigão lançaram no século 19. Se há o ano do sabonete em tempo de crise e o do espirro em tempo de alívio, ironia à parte, “chapeau” ao ano das “Farpas”. Mas para compreender o pensamento deste escritor é necessário situarmo-nos no contexto da corrente literária do Realismo.
O Realismo surge em Portugal um pouco de forma turbulenta. Naturalmente é sempre assim. As correntes ideológicas e literárias são sempre voz de mudança e, como afirma o Doutor Carmo Reis, “o Realismo é uma corrente que protesta contra o idealismo subjectivo da produção romântica”. É o movimento de ideias que põe em causa o Estado Liberal, propondo um ideário social mais justo, mais direccionado para a anatomia do carácter, fonte de crítica, do que para a apoteose dos sentimentos.
É à volta de Coimbra, com a chamada “Geração dos 70” que nasce uma nova mentalidade de crítica social e de costumes, olhando o passado como retrógrado e estéril e o presente atrofiado e incapaz de expulsar definitivamente a mentalidade ultra-romântica que, entretanto, se tinha instalado. Neste berço nascem as “Farpas”, uma crónica mensal de um duunvirato, Eça-Ramalho. Eça de Queiroz saiu cedo. Em 1872 partiu para Cuba, deixando Ramalho Ortigão sozinho na liça da sátira e da crítica política e social, publicação que durou cerca de onze anos.
Chegados ao fim do ano de 2015, época agitada por eleições, que falta nos faz reler essa literatura de contraste e de afronta para melhor aferir a nossa consciência cívica, relativamente à vida da comunidade. Quietos e parados nunca reagimos, como afirma Eça de Queiroz e mais parecemos um “animal pachorrentamente imobilizado na arena, à espera de ser farpeado”. Foi essa a função satírica e irónica da publicação das “Farpas” de Ramalho Ortigão que há cem anos nos deixou.

Pe. Bártolo Pereira