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As muralhas de Ávila

27 Novembro 2015
As muralhas de Ávila
Opinião
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As muralhas que envolvem a cintura de Ávila são um colete levantado há séculos como defesa duma cidade fechada aos medos da invasão. Contudo, nove portas são acesso ao interior dessa comunidade medieval, expondo-a ao tráfego dum turismo internacional de enorme procura. Mas  dentro dessas muralhas nasceu há quinhentos anos uma outra muralha, nada menos poderosa e apenas com duas portas. “Crer” em Deus, a porta para O deixar entrar. “Querer” Deus, a porta que nos faz sair para O encontrar.
Teresa de Ávila nasceu em 1515, faz agora quinhentos anos. Uma alma impetuosa e heróica, com um carácter bem espanhol no que viveu e escreveu. Sempre repartida numa harmonia do divino e do humano, obrigou-a a confessar o dualismo que nos desassossega. Nem gozava o mundo, pelo pensamento do que devia a Deus. Nem gozava de Deus pelo amor e afeições ao mundo. Teresa de Ávila fundou um convento, escreveu memórias, fez poesia e ensinou pessoas a reaprender “a sair de si”.
Deus é um mistério que “nos faz sair”. Sair para O Habitar. Eis o drama de tantos poetas e escritores, iguais a José Régio, sempre mergulhado numa inquietante interrogação: carne e espírito, lodo e glória. É verdade! No humano é que o divino aparece ou desaparece, se envolve, se desintegra. Deus para Teresa de Ávila, como para os outros místicos, “é total”, “não custa a fazer”. Vê-se a olho nu. Em José Régio, Miguel Torga e tantos outros, Deus “é sempre principiante”. É preciso questioná-Lo.
Florbela Espanca (1894-1930), por exemplo, também percorreu caminhos de grande inquietação na esperança de um “deus” a seu jeito. Poetisa atribulada num pampsiquismo que lhe explicasse os medos dum regresso à morte, isto é, “sair de si”. Não conheceu a mística de Ávila. Afinal, uma mulher sem amarras. Duma torrencial liberdade.

Pe Bártolo Pereira