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O socorro marítimo tem horas, local e cunhas

7 Outubro 2015
O socorro marítimo tem horas, local e cunhas
Opinião
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No ano passado, por esta altura e no arranque do ano letivo, foram colocados nas paredes das salas de aula, cerca de 44 mil mapas de Portugal, cujo objetivo era mostrar que somos um país de mar. Efetivamente, enquanto o território fora de água tem pouco mais de 92 mil quilómetros quadrados, o nosso território sobre a água aproxima-se dos 4 milhões de quilómetros quadrados. Este novo mapa, denominado “Portugal é Mar”, comprova que 97% do país é mar e lembra-nos que somos de uma pequena terra mas com um grande mar. Contudo, este artigo não é para falar da ZEE (Zona Exclusiva Económica) portuguesa ou dos direitos exclusivos de exploração, antes dos que nela trabalham e nela encontram o seu sustento: Os pescadores e os riscos associados á sua atividade.
Ao final da tarde da passada terça-feira, o arrastão Olívia Ribau, naufragou à entrada do Porto da Figueira da Foz. Este tipo de acidentes acontece frequentemente junto ao litoral e nas entradas e saídas de barras, ou seja, “mesmo aqui ao pé”, quase sempre com finais trágicos.
Sendo nós um país de mar e de marinheiros, então o que está a falhar?
Ouvi as declarações (nos OCS) dos responsáveis da Autoridade Marítima, a quem compete a gestão e o socorro, e do presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, que afirmou “ter sido uma alta patente da Marinha que estava nos Açores (!) a fazer sair a moto de água”, a primeira impressão que tirei foi que para ser socorrido é preciso sorte! Sorte e conhecimentos, para não dizer cunhas!
Já as palavras (sábias, próprias de um militar que não mente mas também não diz a verdade factual) do Comandante Regional do Norte da Autoridade Marítima, Cmdt. Martins dos Santos, de que “foram empenhados todos os meios possíveis e que estavam disponíveis no momento “e que “a moto de água da capitania da Figueira da Foz foi operada por um polícia marítimo que presta serviço em Aveiro e que estava de licença no local”, decidi consultar o dispositivo do salvamento marítimo do Porto da Figueira da Foz.
A Estação Salva-Vidas é do Tipo A, classificação atribuída pelos diferentes tipos de tráfego, com alguma intensidade, comércio, pesca e recreio, incluindo navegação nas “Lanes”. Tem rampa, carris berço e abrigo para as embarcações e capacidade de residência para os tripulantes. Dispõe de um meio de salvamento de grande capacidade (UAM – 690, Patrão Macatrão, Classe “R. D. Amélia”), um de média capacidade (ISN-SR42, Searibs 860), uma embarcação de zonas abrigadas (ISN 638) e uma mota de salvamento marítimo (M530 Yamaha VX LX), que esteve envolvida no salvamento. Falta um meio de salvamento de pequena capacidade, como dispõe o Porto da Nazaré.
Esta Estação prevê ter como tripulação um Patrão, um Sota-Patrão, dois Marinheiros, um Motorista Principal e um Motorista. Prevê, mas não tem. O seu efetivo atual é metade do necessário. Ora como todos sabem, fazer turnos e garantir permanentemente a resposta num Porto de Mar, com três profissionais, é dizer que o socorro tem horário de repartição pública!
E como estão as Estações a norte e a sul da Figueira (Aveiro e Nazaré), que podem reforçar uma resposta no socorro? Em situação idêntica, tendo mais embarcações e meios do que marinheiros.
Perante este quadro, pergunto-me de que nos vale este imenso mar e os seus recursos, se não tratamos bem quem os colhe e continuamos a valer-nos da “cunha” quando estamos aflitos.
Em tempos idos, as Corporações de Bombeiros dos concelhos junto ao litoral, eram apetrechados com meios de salvamento marítimo e conhecimentos vastos, que iam até ao combate á poluição marítima. Aceito que esses meios não seriam os ideais para os dias de hoje, mas depois de adaptados, com certeza que teriam uma resposta rápida e profissional, podendo ser uma das soluções para esta problemática. Deixo o repto.
Não posso deixar de realçar e saudar a sempre atenta e persistente atuação da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar e do seu presidente, a quem desejo os maiores sucessos e que consiga atingir os seus objetivos.
Como forma de tributo aos que perderam a vida e suas famílias, a quem apresento as minhas condolências, transcrevo Fernando Pessoa:

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Fiquem bem, fiquem em segurança

Rui Moreira da Silva