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Emigrar é habitar

2 Outubro 2015
Emigrar é habitar
Opinião
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O fenómeno da emigração está ao rubro com os acontecimentos da realidade. Nesta crónica quinzenal não há espaço para tratar o assunto com academismo sociologicamente correcto. Contudo, cabe neste espaço uma reflexão à tragédia vivida nestes últimos tempos.
Emigrar é da condição humana e não há reparos a fazer. É desejo de habitar a terra, numa busca incessante de felicidade. Mas emigrar é sair fora de si e nesta concepção, a fronteira entre o drama e a aventura faz toda a diferença. Emigrar com uma finalidade, sublinho, “é sair de si”. Nunca de forma errante ou anárquica. É sempre uma abordagem de nós aos outros, cheirando o mundo. Emigrar é habitar o planeta incarnado com gentes, memórias e relíquias culturais. Mas, emigrar não se identifica com o gosto romanesco da bailarina que cumpria rigorosamente os desejos de vaguear no seu apartamento londrino, viajando até ao fundo do quarto, onde o mundo e a distracção lhe chegavam com a ajuda da Internet e da parabólica do telhado (Tibor Fischer). Prisioneira de si própria, faltava-lhe o outro mundo que não tinha oportunidade de descobrir.
Chegamos ao drama da emigração que deixa de ser direito e aventura para se tornar um inferno. A ondulação humana condicionada num sentido cheio de desencontros, “não é sair de si”, mas “ser expulso” da sua própria identidade e duma casa “chamada terra” (Mia Couto). O mundo assiste a essa desordem provocada por situações humanas dramáticas e guerras que obrigam o emigrante “a viajar sem viagem marcada”. Viagem que dentro de nós nunca encontra caminhos consequentes. Viagem-expulsão porque, à revelia de nós próprios, ninguém faz “boa viagem”.
Voltaremos ao assunto, com mais realismo e sem poesia.

Pe Bártolo Pereira